O Funchal Jazz continua fiel à sua tradição. Ou seja, continua a ser um evento musical e cultural marcante, que anualmente proporciona aos madeirenses a oportunidade de assistir a concertos protagonizados por estrelas de primeira grandeza do panorama jazzístico mundial. Continua também a ser diversificado q.b., para agradar a diversos tipos de público. Não tivemos a oportunidade de ver outros espectáculos que constam do programa, mas não deixámos passar a oportunidade de ver a soberba actuação, ontem, de Kurt Elling.
O aclamado vocalista de Chicago é, hoje, praticamente, a única verdadeira voz masculina que se aproxima de uma fama inquestionavelmente internacional. Nomeado para uma dezena de Grammys, aos 47 anos de idade Elling é um digno continuador da tradição das grandes vozes jazzísticas masculinas, na senda de, por exemplo, Sinatra, Tony Benett, Al Jarreau ou Chet Baker.
Ontem deu um verdadeiro “show” de ‘scat singing’, fazendo da voz um autêntico instrumento e actuando rodeado de músicos de elevada craveira. E que tocaram com verdadeiro gosto, nos antípodas da actuação de uma cantora que também aprecio, Diana Krall, mas que em tempos deu no Funchal um concerto que não passou de satisfatório, parecendo estar na realidade a fazer um verdadeiro frete.
Elling não: ontem encantou verdadeiramente a audiência. Isto é, aqueles que estavam lá verdadeiramente para apreciar o incomparável espectáculo de improviso que representa um autêntico concerto de jazz, e não apenas porque tinham bilhetes oferecidos, para verem e ser vistos ou simplesmente para ‘sair à noite’.
Estes últimos são facilmente identificáveis, na medida em que conversam alto, sem respeito pelos apreciadores de música, e abandonam o recinto quando se está ‘no melhor da festa’, ou seja, quando já se quebrou o gelo entre artistas e audiência, quando os primeiros já aqueceram devidamente e quando começam a evidenciar todo o seu virtuosismo. Mas enfim, que se há-de fazer.
A compensar estes indivíduos destituídos de gosto, estiveram todos os que fizeram esgotar rapidamente o último CD de Kurt Elling, Passion World, no qual interpreta 12 canções de diversas partidas do mundo, e nas suas línguas originais. A FNAC tinha encomendado apenas 25 discos, e todos desapareceram num ápice, antes mesmo de o cantor se deslocar ao stand para autografá-los a quem o desejasse. As pessoas queriam mais, mas não havia. E nem mesmo na loja FNAC, para já, existem mais.
Kurt Elling tem uma voz de veludo, com um timbre potente, sonoro mas espantosamente maleável, e com uma marca distintiva, inconfundível. Ontem, deu provas de toda a sua mestria. No palco, numa mágica noite de luar, foi de uma notável simpatia para com um público que não é dos mais calorosos ou extrovertidos. Cantou e encantou em diversas línguas, desde os temas brasileiros à ‘chanson’ francesa, desde Cuba aos standards do jazz norter-americano, e proporcionou um concerto memorável aos que tiveram a fortuna de poderem assistir. A secundá-lo, um grupo musical excelente e que tocava com genuíno prazer, um excelente som e uma produção cinematográfica de nível, a projectar num gigantesco écran por detrás dos músicos os pormenores da sua actuação, filmados de ângulos multifacetados.
A concluir: um momento que valeu, definitivamente a pena. Nunca compreenderei, quando os músicos estão a dar o seu melhor, que haja grupos inteiros que se levantam e vão embora. Mas pronto, é assim na Madeira. Que se lixe. Muitos mais ficaram e aplaudiram quem merecia.