O número de casos de cancro em Portugal tem tendência para aumentar nas próximas gerações. Já referiu a suscetibilidade genética, o estilo de vida e as condições ambientais como fatores que podem desencadear a doença. Significa que à partida nascemos com maior risco?
Não. Há essa suscetibilidade genética, mas se eu tiver que identificar as causas do cancro, refiro, em primeiro lugar, o estilo de vida, as condições ambientais e, por último, a suscetibilidade genética. É verdade que há entre cinco a dez por cento de pessoas que nascem com grande suscetibilidade para cancro, mas os outros 90 por cento têm a ver com o estilo de vida e com as condições ambientais.
Que estilo de vida é aconselhável? Não há dúvida que devemos evitar a obesidade, que fazer uma alimentação equilibrada e exercício físico. O sedentarismo é terrível. Devemos optar, tanto quanto possível, por uma dieta que não tenha uma excessiva quantidade de glicídios e lipídios. Também não devemos beber demais, não fumar e não se expor ao sol.
A incidência de determinado tipo de cancro, varia consoante as regiões em Portugal? No norte de Portugal existe um pouco mais cancro de estômago e no Alentejo e Algarve mais cancro da pele. Sabemos que, no caso do sul, tem a ver com a exposição ao sol e, no caso do norte, com o tipo de alimentação e com alguma falta de desenvolvimento económico. O cancro do estômago surge, com maior incidência, nos países que não têm um desenvolvimento económico muito bom. Por exemplo, na América do Sul é mais frequente nas zonas rurais do que nas zonas urbanas ricas.
E em relação à Madeira, há diferenças, nomeadamente em relação ao cancro da tiróide? Tanto quanto sabemos, os resultados da Madeira, relativos ao cancro, são exatamente sobreponíveis aos do continente, o mesmo se verifica em relação ao cancro da tiróide. Não há nenhuma razão para achar que há mais patologia na Madeira do que no continente. A Madeira é uma espécie de média de Portugal. Há muita patologia da tiróide na Região, porque na ilha a endocrinologia é muito boa e as pessoas estão muito atentas.
Nem tudo é negativo em relação ao cancro? Em relação ao cancro não. Portugal está igual ao que se passa na Europa civilizada. Temos mais problemas com as doenças cardiovasculares, com a diabetes e com os acidentes vasculares cerebrais.
E em termos de tratamentos mais inovadores e eficazes? Melhoramos em Portugal e em todo o mundo, mas a melhoria não é muito grande e as pessoas têm que ter consciência disso. Hoje, dispomos de tratamentos muito melhores, mas a média de sobrevida, que se obtém é da ordem de um, dois anos, no máximo. O que temos que fazer é continuar a prevenir, sobretudo, a apostar no diagnóstico precoce. As pessoas têm que fazer rastreios. Se estiverem a fazer prevenção contra a diabetes, estão também a prevenir os acidentes vasculares cerebrais e o cancro.
Um dos seus objetivos tem sido no sentido da coordenação da investigação multidisciplinar em cancro. A Associação Portuguesa de Investigação em Cancro (ASPIC) foi criada com esse propósito. Como analisa seu trabalho? Tentei duas vezes e não consegui, mas agora conseguiu-se. Foi um salto extraordinário. Concretizou-se através da professora Leonor David, que trabalha no IPATIMUP (Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto). A ASPIC integra pessoas da investigação, básica, clínica, pessoal de enfermagem, técnicos e associações de doentes, que são muito importantes. Já tivemos uma grande reunião.
A redução do investimento na área saúde compromete o desenvolvimento da investigação? Foi terrível. Repercute-se no facto de não podermos oferecer aos médicos e cientistas a possibilidade de uma carreira científica. Estamos com um problema em Portugal: Não há futuro para quem quer fazer uma carreira na investigação. Para as despesas correntes, vamos tendo dinheiro, porque temos contratos com a indústria. Estávamos a ter uma curva estupenda e agora estamos assustados. A investigação está comprometida, embora o IPATIMUP se tivesse associado a dois institutos: ao IBMC (Instituto de Biologia Molecular) e ao INEB (Instituto de Engenharia Biomédica), no Instituto de Inovação e Investigação Científica (I3S), que é um grande instituto da Universidade do Porto em Ciências da Saúde. Fomos considerados excecionais, pois obtivemos a classificação de 25 valores, numa escala de 25, e obtivemos a maior verba no País: 6,2 milhões por ano, para os três institutos. Sou a favor de juntar, em vez de dividir. Juntamo-nos e ganhamos. Havia 70 milhões euros para distribuir em Portugal e ficamos com nove por cento.
Neste momento, um dos problemas mais evidentes é rutura do serviço de urgências, em alguns hospitais. Como analisa a situação? É terrível. Verifica-se o mesmo problema, a incapacidade de contratarmos médicos e enfermeiros atempadamente. Mas, a solução também passa por darmos maior importância ao pessoal não médico. Acho que Portugal depende excessivamente dos médicos. Tínhamos que ter maior capacidade de desenvolver, nas urgências, equipas multidisciplinares, dependendo hierarquicamente do médico, mas com maior responsabilidade da enfermagem. Temos dos melhores enfermeiros do mundo, e em alguns sítios por excesso, que estão a emigrar. O problema das urgências é simples. Em primeiro lugar é necessário aumentar os cuidados locais de saúde, as unidades familiares e os médicos de família. Não vamos resolver o problema sem melhorarmos os cuidados de saúde primários. Os centros de saúde têm que estar abertos até mais tarde. Em segundo lugar, os doentes, quando chegam às urgências, têm que ser vistos depressa, mas não necessariamente pelo médico. Podem ser observados por uma equipa.