Durante este período 2020-2021 comemora-se o Centenário de nascimento da grande “diva”, a fadista Amália Rodrigues. Ouvindo a notícia na Antena 1, veio-me à lembrança que nos anos 50, teria eu os meus 16/17 anos, aluna do Liceu, Amália veio à Madeira para cantar fados à chegada do seu grande amigo e patrono, o banqueiro Espírito Santo.
Então, eu e as minhas duas melhores amigas, resolvemos ir ao velho Hotel Savoy entrevistá-la. Nada dissemos, comprámos um lindo ramo de flores e lá fomos nós Avenida do Infante acima, direitas ao Savoy. Pedimos a um dos empregados, dissemos que queríamos entrevistar Amália. Fomos por ela muito bem recebidas e fizemos as perguntas que tínhamos preparado. Ela era muito jovem, sorridente, e assim nos despedimos. Era uma aventura para nós. Descemos radiantes a Avenida e chegadas ao Liceu, contámos o nosso feito. Não me recordo já se escrevinhei tudo para vir publicado na Página dos Estudantes que saía no Jornal da Madeira.
Na minha infância, a grande fadista de Lisboa era Hermínia Silva, de quem o meu pai era fã e, ainda nem se ouvia falar da Amália; sabia-se que vendia laranjas no cais do Sodré com a mãe, também vendedeira, mas foi a avó quem a criou, pois desde cedo Amália deu mostras do seu gosto pela música. Segundo a sua biografia, ela cantou pela primeira vez em público no ano de 1929, na escola em que andava. Quanto ao nascimento dela, não se sabe ao certo o dia, 1 ou 23 de Julho de 1920; proveniente duma família humilde da Beira Baixa, dizia-se que o seu grande amor foi um rapaz, também modesto, que ela nunca esqueceu.
Quem a lançou foi o banqueiro Espírito Santo, a quem ela deve tudo o que se tornou: a Diva do Fado. A meados dos anos quarenta, no velho Teatro Apolo, à entrada da Rua da Palma, quem descia Almirante Reis via logo um cartaz a toda a altura do prédio com o rosto de Amália e o seu nome em grandes letras.
Depois foi uma sucessão de êxitos, ano após ano, desde que ela e a Celeste, sua irmã, deixaram o emprego de bordadeiras (1933) embora, ainda durante dois anos, tenham trabalhado numa loja de “souvenirs”, no Cais da Rocha, onde a mãe continuava vendedeira. Em 1935, desfilou na Marcha de Alcântara e cantou pela primeira vez acompanhada à guitarra.
Ano a ano a fama crescia e em 1939 no Retiro da Severa cantou três fados, acompanhada pelo grande Armandinho e outros. Recordo ter ido, pois nesse tempo a lei não proibia levar filhos menores a assistir com os pais.
Teve então dois casamentos na sua vida: em1940 casou com o guitarrista amador Francisco da Cruz e em 1961 com o engenheiro César Seabra, brasileiro, numa das digressões ao Brasil. Depois de um ano a viverem no Brasil, altura em que a Amália quis acabar com a sua carreira, vieram para casa na Rua de S Bento, hoje casa-museu da grande diva até morrer, a 6 de Outubro de 1999.
Tornou-se na maior fadista portuguesa de todos os tempos e conta-se, segundo a sua governante e amiga, de que já doente ela gostava de receber os seus amigos e admiradores mais chegados como Carlos Baião, David Mourão-Ferreira, outros letristas e camaradas fadistas, no seu quarto já na cama, comendo “jaquinzinhos”, bebendo e cantando-grandes noitadas!!!
Pela mão do Embaixador Pedro Teotónio Pereira, em Fevereiro de 1943 foi cantar a Madrid. Os seus primeiros discos de 78 rotações foram feitos no Brasil em 1944. Em 1945, estreou-se no cinema Condes, em Lisboa, com “Capas Negras” e teve em 1948 um Prémio do SNI, dado por António Ferro. Fez inúmeras digressões e concertos
Cantou várias vezes no Olimpia em Paris, sendo aplaudida de pé e foi a primeira artista portuguesa na TV americana. Entrou em revistas no Teatro Maria-Vitória; filmou no México ao lado de Edith Piaf; em 1958 foi condecorada pelo Professor Marcelo Caetano com a Ordem do Infante D. Henrique; e em 1989 recebeu a Ordem de Santiago de Torre e Espada das mãos do então Presidente da República, Mário Soares. Ainda em 1989, nos 50 anos da sua carreira artística, a Valentim de Carvalho editou “Amália 50 anos”.
De entre os concertos e viagens que efectuou por todo o mundo, destaca-se também a sua visita em 1969 à União Soviética. O Papa Paulo VI recebeu-a no Vaticano também nesse mesmo ano. Os seus últimos fados e o livro de poemas “Versos”, de sua autoria, foram homenageados na Expo-98 de Lisboa.
Nunca mais voltei a ver Amália, mas tenho dela essa grande recordação e vários dos seus melhores discos. Da irmã Celeste, sempre modesta e tão boa cantadeira quanto a irmã, não tenho nenhum disco, mas até ao fim dela ouvi-a cantar. É verdade, viajei uma vez de Lisboa para a Madeira no “Vera Cruz “, tendo a Celeste como companheira de cabine.