“Bazar do Povo” utilizava interessante sistema de comunicações em 1883

Fotos gentilmente cedidas por Helena Araújo
Rui Marote
Fundado a 19 de Maio de 1883, por Henrique Augusto Rodrigues, e tendo como primeira sede um prédio no largo do Chafariz, o estabelecimento “Bazar do Povo” (1896-1990) teve um papel preponderante no desenvolvimento comercial do Funchal.
Genro de João Anacleto Rodrigues (1869-1948), João Henriques de Araújo (1896-1990), também ele um exímio fotógrafo, tal como o sogro, dedicou-se à modernização da secção de Tipografia, passando alguns dos postais editados pela loja a serem impressos na própria empresa.
A loja ‘Bazar do Povo’ manteve-se sob a gestão da família de Henrique Augusto Rodrigues até 1995, ano em que foi adquirida pelo grupo Sá. Hoje é um bazar chinês. Queremos hoje recordar esta loja comercial que nessa época era um autêntico Shopping, pela dimensão e a diversidade de produtos vendidos.
Na cave tinha uma tipografia. Em 1955 só havia uma única mulher a ali trabalhar, a menina Farinha, que labutava na secção de papelaria e dominava três idiomas, francês, inglês e alemão.
Recordo que no meu trajecto para casa, no final da tarde, ao regressar todos os dias da escola, atravessava o interior do Bazar desde Rua 5 de Outubro numa das portas giratórias, as primeiras e únicas na Madeira, e saía na porta giratória localizada na Rua dos Ferreiros.
O perigo era quando as portas encravavam  e as pessoas ficavam presas numa autêntica campânula de vidro. Porém, nós, jovens então, achávamos uma graça incrível às portas, e não resistíamos a dar mais uma voltinha.
Em 1997 a jornalista madeirense e escritora Ângela Caires, que conheci em Lourenço Marques- Moçambique ao serviço do vespertino “A Tribuna”, escreveu na revista “Margem” um artigo intitulado “Bazar do Povo, Caixinhas Voadoras” abordando um engraçado sistema que ligava todas as secções do Bazar.
Hoje atrevo-me a a dizer que esse engenhoso sistema era equivalente às mensagens escritas de telemóvel, o SMS dos nossos dias.
Tratava-se de uma caixa central ligada por cabos, uns metros acima das cabeças das pessoas, que divergiam para diversos balcões. Tinha um tipo de copo (caixinha) em que era colocado o dinheiro e um talão em duplicado do valor da mercadoria comprada. Um teleférico a meio tecto que num vaivém trazia o troco e o talão comprovativo da transacção.
O balcão mais movimentado era o da retrosaria, onde se vendiam botões e linhas. As empregadas escreviam num livro com papel químico e um lápis (não havia ainda esferográficas Bic), descrevendo o produto, e o preço ficava registado no original e duplicado .O caixeiro central estava a uma altura do chão de cerca de 1m50 e tinha uma visão panorâmica por toda a extensão da loja.
Não havia calculadoras: tudo era manual. Eram peritos na tabuada. Nos cabos, dez “caixinhas”(copinhos) ora circulavam para direita, ora para esquerda ou centro. Muito dinheiro, em especial moedas, circulava no ar, quantias diárias de caixa da ordem dos 30.000 escudos por cada caixeiro de serviço ao longo do dia.
Nunca ninguém conseguiu ver o que os caixeiros introduziam nos cofrezinhos. “Dá cá o dinheiro que já devolvo o troco”, diziam, e voavam nos “céus “do Bazar facturas, recibos e trocos. O caixeiro puxava a caixa que baloiçava sobre a sua cabeça, esticava -a e escondia debaixo do balcão onde ficava a coberto de olhares inquisidores, e então fazia as operações secretas.
Quando a devolvia ao enredado dos fios, tinha o cuidado de fazer soar uma campainha. Este sistema alimentou durante anos a nossa imaginação, além de abrilhantar o estabelecimento. Era um espectáculo! E em dias de chuva, a permanência no Bazar do Povo prolongava-se até que o tempo melhorasse.
No Funchal havia outras casas com este tipo de ” carrinhos: a Confeitaria Camacho, por exemplo, onde foi instalada depois a Caixa Económica do Funchal, o Talassa na Rua de João Tavira, e a Mercearia Probidade, na Rua dos Ferreiros. Mas só tinham dois carrinhos.
Este sistema não foi importado  do estrangeiro, era sim obra de madeirenses. Nos finais do século 19 construíram-se em Câmara de Lobos os célebres “carrinhos” do Bazar do Povo. A sua construção foi entregue a dois irmãos, o mestre Miguel de Sousa e a Simão, conhecido pelo Simão das máquinas, sendo este último funcionário do Bazar do Povo, onde foi convidado a trabalhar. Assim nasceram os “carrinhos “pelos irmãos Rodrigues. Veja no link abaixo um vídeo (Jorge Ferraz Araújo):
Tudo se deveu ao crescente aumento da loja, havendo necessidade de se criar um sistema de caixa que acompanhasse esse mesmo ritmo. Para a época, era muito interessante e original.