Danilo Matos critica obras na Ribeira de Santa Luzia: “O betão ganhou e a cidade perdeu”

Fotos de Danilo Matos.

Danilo Matos continua a erguer a voz contra as obras que estão a ser executadas na Ribeira de Santa Luzia. Na sua opinião, “a Cultura cedeu, a Câmara também, o betão ganhou e a cidade perdeu”.

Com registo fotográfico da sua autoria, Danilo Matos comenta o que está a ser feito na Ribeira de Santa Luzia através de um artigo, publicado na sua página do Facebook, por “uma questão de Cidadania”, que o FN reproduz.

“1- Estou a falar das obras em curso no troço final da Ribeira de Santa Luzia, entre as duas pontes, a do Bettencourt e a D. Manuel. Desta vez tudo foi bem entaipado para que ninguém veja. Em Março fui ver a obra, o encarregado de serviço, do outro lado da ribeira, gritava e mandava correr comigo, porque estava a tirar fotografias. O homem, um simples trabalhador africano, chegou educadamente, como a contrariar a ordem do chefe, a pedir para sair, e eu continuei. O confinamento afastou-me do andamento dos trabalhos mas, ontem, já depois da hora de serviço, lá estava.

2- Tudo está a ser executado segundo o projecto que denunciei aqui nesta mesma página da cidadania, nos posts 57, 58, 59, de outubro e novembro de 2018. Este é o terceiro projecto que o governo mandou elaborar, porque o primeiro era uma cópia do que foi feito até a ponte do Til, condenado por toda a cidade como um crime lesa património.

3- Começo por mostrar aos leitores uma antevisão em cima de duas fotos, que pedi a um amigo arquitecto para fazer, que guardo há um ano na esperança que aquilo não fosse executado. Mostrei-a a algumas pessoas. Mas a Câmara cedeu e a DRC também, o Governo, pela mão daquele secretário que só soube pelo telejornal da véspera que ia ser despedido, concretizou.

4- Este troço da Ribeira de Santa Luzia, com 190 metros, estava classificado como Património de Interesse Regional; não podia, em circunstâncias nenhumas, ser destruído. É o que resta de uma herança já quase desaparecida que Reinaldo Oudinot nos deixou. Foi das primeira muralhadas a ser construída, depois da aluvião de 09 de outubro de 1803, sob a direcção pessoal do Mestre, que infelizmente morreu 3 anos depois de cá chegar para uma missão que salvou a cidade. Juntei uma foto actual de um pequeno pormenor da ribeira que vai agora ser tapado.

5- Defendi sempre que pelo menos aquele troço fosse respeitado e pudesse ser perpetuado e transformado numa espécie de Memorial aos milhares de cidadãos da ilha que durante 600 anos foram vítimas das condições adversas onde ousaram construir uma cidade, considerada como a primeira feita por europeus fora da Europa. Isto não é uma falácia, é uma honra, é um orgulho histórico.

6- Resumidamente está a ser escavado o leito natural da ribeira, fixem bem – o leito natural da ribeira, em plena baixa da cidade, uma burrice do tamanho do Pico Ruivo, agravado pelo facto dessa escavação, na profundidade de 3,40m atingir, em quase todo o percurso, a cota média das águas do mar; vamos ter salinidade até ao Bazar do Povo e uma cunha salina que pode ser galgada com as consequências que cientistas, como João Baptista, têm alertado. Gostava de saber o que a Dra. Susana Prada, que tem a seu cargo o ambiente e uma coisa pomposa que se chama alterações climáticas, diz a isto, uma vez que dispensou, aquando do projecto inicial, a avaliação de impacto ambiental que era obrigatória. Mas agora é diferente, senhora secretária, como é diferente o recobrimento a betão até a ponte do Til, que está lá a vista de toda a gente e à espera de uma avaliação ambiental.

7- Esta obra associada à que foi feita na Ribeira de João Gomes até à ponte do mercado – mais a outra asneira da junção das fozes das duas ribeiras – vão provocar uma situação que ninguém quer avaliar. O que vai acontecer é que, dentro de poucos anos, vamos ter novamente duas fozes, cada ribeira com a sua, em pleno casco histórico da cidade. Só que agora longe de uma coisa fundamental que é a dinâmica da ondulação da orla marítima, das marés, dos movimentos de fluxo e refluxo.

Vão passar os finos para dentro da bacia do porto, o resto vai ficar para engrossar as inundações da baixa. Projectos com pressupostos técnicos muito mal aferidos, em minha opinião. A base de avaliação técnica é feita em milhões. Levaram 10 anos para intervir num troço que quase que feito à mão era mais rápido… Mas isso fica para o futuro que não vai ser muito longínquo.

8- Só para terminar chamo a atenção do leitor para a fotografia nº4 com o corte do que está a ser construído, bem a foto nº5 [vide página do autor no Facebook e sequência de imagens] tirada no local, ambas ajudam a perceber a solução. Resumidamente, há uma escavação do leito natural da ribeira em cerca de 3,40m, é construído um “U” em betão armado, com uma laje de fundo com 80 cm, e muros laterias com a mesma de espessura, numa altura livre de 3,80 metros. Como se pode deduzir, dentro do espaço em “U” a largura de vazão da ribeira fica reduzida em média 1,60 metros, em termos de aumento de secção de escoamento pretendido ganha-se muito pouco.

O resto da muralha é suposto manter em pedra. A Câmara deverá decidir se, depois disto, mantém a classificação patrimonial atribuída. Vamos aguardar. Como vamos aguardar a posição da Câmara sobre a ponte pedonal que o governo quer impor, uma tentativa para branquear as asneiras que fizeram, porque não faz sentido nenhum.

 

9- Depois disto, ponho em dúvida se valerá a pena continuar esta luta, perante tanta arrogância e ignorância.
O crime está feito. A história não perdoa, leve o tempo que levar.
O que se fez às muralhas de pedra e cal das ribeiras da cidade vai ficar na história como um dos maiores crimes patrimoniais cometidos.”