O professor Rui carita fechou ontem o Congresso Internacional Reinaldo Oudinot, em Lisboa, com uma intervenção sobre a obra e o estilo desta figura insígne da cidade.
O FN reproduz o que o eng. Danilo Matos divulgou, no seu Facebook, sobre a intervenção do historiador madeirense.

“Com início a 7 de Setembro, encerrou ontem em Lisboa o Congresso Internacional «Reinaldo Oudinot e o seu tempo», iniciativa da Sociedade de Geografia de Lisboa, com vista a assinalar os 250 anos da chegada a Portugal daquele que foi, no dizer da Sociedade, “um dos mais ilustres e brilhantes engenheiros do exército português”. Foram apresentadas 26 comunicações.
O professor Rui Carita foi o convidado para proferir a palestra de encerramento que versou o tema, para nós muito caro e extremamente actual, das ribeiras do Funchal. Rui Carita apresentou, creio que pela primeira vez em público, o célebre “Plano de Obras e Providências para o reparo das ruínas causadas pela aluvião de 9 de outubro de 1803”, que Oudinot escreveu entre 19 de Fevereiro de 1804, data da sua chegada à Madeira, e Abril do mesmo ano, e que foi distribuído pelas Câmaras como ‘instruções’ a respeitar nas obras de reconstrução. Este documento – embora conhecido e historicamente referenciado – esteve, ao que nos dizem, perdido, tendo só em 1940 a Biblioteca Nacional adquirido em leilão um exemplar agora em consulta.
Numa troca de impressões com o meu amigo Rui Carita, lá me relatou, com aquele entusiasmo com que sempre fala destas coisas, algumas notas do Congresso, especialmente das questões levantadas a propósito da sua intervenção – as ribeiras do Funchal. As ‘Providências’, plano desenvolvido ao longo de 21 páginas em 19 pontos, é um documento brilhante, pena que esquecido e ignorado por quem projectou e decidiu esta barbaridade em curso no coração da cidade. O Rui Carita teve a amabilidade de me oferecer uma cópia. Já passei os olhos – digo passei porque, embora a caligrafia seja perfeita, a leitura deste tipo de papéis requer alguma especialização. Mas deu para ver o cuidado, a insistência e o espaço que Oudinot dedica às ‘instruções’ sobre as serras e a reflorestação, daquilo que tanta gente tem vindo a dizer – a segurança está sobretudo lá em cima, nunca esquecer. Há 212 anos Oudinot insistia nesta estratégia. Aliás, dentro das imensas disciplinas a que esteve ligado ele foi responsável pela definição de uma nova política florestal para o Pinhal de Leiria. Ele sabia…
Oudinot é nomeado a 14 de Dezembro de 1803, simultaneamente em atenção ao carácter excepcional da comissão é promovido a brigadeiro e desembarca no Funchal a 19 de Fevereiro de 1804, onde se instala com a família e constrói imediatamente o seu Estaleiro de Obras. A capacidade e experiência de trabalho deste homem fazem com que em dois meses apresente o Plano que já referimos.
Oudinot faz aqui, no Funchal, em termos de metodologia de abordagem deste tipo de trabalhos e de planeamento, aquilo que fez no Porto, na Póvoa ou em Aveiro. Uma obra nunca é uma intervenção isolada, tem de ser sempre vista na sua relação com a cidade. Ele teve a coragem de chamar a atenção para a organização urbana herdada, para a cidade encavalitada que estávamos a construir, apresentando um desenho urbano de rotura para uma nova cidade, orgânica e racionalista, a nascer para poente na zona plana do Infante. O seu plano foi uma das maiores oportunidades perdidas, no dizer de António Aragão, e a ‘cidade continuou a encavalitar-se’, escreveu o nosso saudoso historiador.
Reinaldo Oudinot (1744-1807) morreu a 11 de Fevereiro, curiosamente no ano em que Portugal é invadido e ocupado pelos exércitos franceses, a família real foge para o Brasil e a Madeira é ocupada por tropas inglesas até 1814.
Deixou-nos uma estratégia para lidarmos com a segurança, uma obra de engenharia pioneira e notável e uma nova ideia de cidade. Que mais queríamos? Que ele não nos deixasse tão cedo. Viveu connosco só três anos e não merecia que, passados 212 anos, fosse tratado desta maneira. Estamos a tempo de continuar a honrar a sua memória. Vamos pensar nisso…”