Concerto de Ivan Lins marcado por disputa de cadeiras

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Fotos: Rui Marote

O concerto do brasileiro Ivan Lins, inserido no festival ‘Raízes do Atlântico’, que terminou já por volta da uma da madrugada de hoje na Quinta Magnólia, ficou marcado por um incidente. Que felizmente não estragou o evento, mas que não deixa de ser expressivo, em si mesmo.

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O presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, acompanhado do empresário e antigo primeiro-ministro Francisco Pinto Balsemão e esposa, e outras personalidades, chegaram quando Ivan Lins já actuava, e aparentemente quiseram sentar-se nos lugares reservados, à frente. Só que o público, que compareceu em grande número para ver este grande senhor da música popular brasileira e quem actuou antes dele, não respeitou os lugares supostamente reservados e já os tinha ocupado há muito.

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Os seguranças tentaram fazer com que as pessoas se levantassem, para dar lugar às personalidades recém-chegadas, mas tal apenas resultou na recusa do público, e, perante a insistência em que saíssem, levantou-se um clamor e apupos. De tal modo que Ivan Lins se viu obrigado a apelar à calma, dizendo que estava ali para cantar, e não para ver pessoas brigar por causa de lugares sentados…

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No final, o bom senso imperou. Albuquerque e Balsemão sentaram-se mais atrás – afinal parece que havia mais cadeiras vazias – e as pessoas que se tinham sentado à frente, lá continuaram. E o concerto prosseguiu tranquilamente, num esplêndido momento musical em que Ivan Lins não deixou os seus créditos por mãos alheias, evidenciando porque é um dos nomes mais respeitados da música brasileira.

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O episódio, porém, não deixou de ter algumas repercussões irónicas, inclusive com pessoas bem destacadas no próprio sistema político a comentarem ao FN: “Já lá foi o tempo…” Ou seja, hoje em dia o povo já não se mostra tão obediente e manso no que concerne aos supostos privilégios das pessoas importantes.

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Ivan Lins actuou acompanhado pelo bem conhecido André Sarbib e por outros músicos de óptima craveira, formando uma banda que soube trazer um sabor bem nostálgico e ao mesmo tempo inovador à assistência. O famoso pianista, cantor e compositor, que viu obras suas regravadas por estrelas da música internacional como Sarah Vaughn, Barbra Streisand, Ella Fitzgerald ou Quincy Jones, e que foi fortemente influenciado pelo jazz e bossa nova, apresentou um alinhamento cativante, marcado também aqui e ali por momentos de improviso e grande musicalidade.

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A ponte com o passado que Ivan Lins estabeleceu teve um duro acordar em relação ao presente num momento em que o músico e compositor, autor de tantas obras marcantes, se dirigiu ao público para lamentar a actual era da Internet.

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Defendendo que “há três coisas que não podem desaparecer: a água, o ar e a música, senão a gente acaba”, Lins criticou, num autêntico manifesto dirigido à audiência, a Internet, com os seus Google e Youtube e outras redes que “estão metendo a mão no trabalho da gente”.

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O cantor e pianista criticou-os por ficarem com “80 por cento” dos ganhos da música que é produzida e criada, deixando os compositores numa situação difícil “para pagar as suas contas”.

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“Não se pode viver só de actuações ao vivo, não se pode ter cem anos e continuar a dar concertos”, disse, pedindo mais respeito pelos músicos, que considerou “nossos anjos da guarda”.

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Antes de Ivan Lins incendiar o espaço aprazível e pejado de gente, sentada e de pé, da Quinta Magnólia, já actuara no último concerto do ‘Raízes do Atlântico’ 2016 a diva tunisina Ghalia Benali, intérprete de propostas musicais que entrecruzam a música de cunho árabe com a herança do Ocidente. A própria classificou a sua música como “música árabe com novas formas, por vezes festiva mas nunca profana, ocasionalmente romântica e elegíaca, um passaporte para muitas culturas”. Uma curiosa fusão na qual se alinham influências de música de países como o Iraque, a Síria ou o Egipto, além da do seu país natal. Benali tem sido aplaudida como embaixadora da cultura árabe, e trouxe ao ‘Raízes do Atlântico’ um pouco da sua realidade etnomusical, fortemente expressiva.

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Por sua vez, Ghalia Benali fora antecedida pela conhecida banda madeirense Xarabanda, há anos em actividade e reconhecida praticamente já como uma autêntica instituição cultural, responsável pela preservação e estudo das raízes musicais madeirenses, tendo executado inúmeras pesquisas, recolhas, interpretações e arranjos, e comunicado aos portugueses em geral e aos madeirenses em particular a riqueza e o interesse da nossa tradição. Também tem levado a outros países as sonoridades tradicionalmente mais próprias da ilha.

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Fica o registo fotográfico do último dia de um festival que se afirmou como inovador, e que conseguiu, de facto, atrair público significativo ao longo dos três dias. As escolhas musicais podem não ter sido todas consensuais, mas Ivan Lins, sem dúvida que o foi. O seu concerto foi o que mais público atraiu à Quinta Magnólia, tal como antecipadamente se previa.