Opinião de Ricardo Vieira sobre a crise no CDS: “A alma não pode ser pequena”

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Ricardo Vieira

Ricardo Vieira remeteu ao FN um artigo de opinião em que aborda as divergências que têm vindo ultimamente a público no seio do CDS-PP, sobretudo na sequência das recentes críticas feitas que lhe foram feitas pelo atual líder do partido, Lopes da Fonseca.

“Fui surpreendido por algumas pessoas que, incrédulas, me perguntaram, durante este fim-de-semana, o que se passava no CDS em relação à minha pessoa. Percebi que a causa tinha sido um excerto de uma entrevista dada pelo Dr. Lopes da Fonseca onde eu era referido. Fui ouvir esse excerto e a minha surpresa aumentou!

Primeiro, a vida interna do partido não é para trazer para a praça pública e muito menos por quem tem mais responsabilidades. Eu não o tenho feito fora das épocas de congresso. Hoje será a excepção porque a isso me obrigaram as referências em causa.

Segundo, porque há menos de uma semana tinha perguntado ao grupo parlamentar, e em especial ao entrevistado, se eu era obstáculo à actual liderança esclarecendo que abandonaria o parlamento se assim o entendessem, mas não só não o referiram, como o líder do grupo me pediu para continuar. Porque não quero crer em falta de frontalidade ou de sinceridade, a conversa radiodifundida é no mínimo surpreendente!

Terceiro, porque havia tantas coisas muito mais interessantes e importantes para a Madeira e para os madeirenses, mas preferiu-se destacar desejos de afirmação de autoridade ou de “supremacia de cartório”, contra quem tem extenso currículo do que é “serviço à causa” e que, pelo menos, por respeito e educação, merecia contenção de linguagem.

Por último, porque a história está deturpada. Não houve nenhuma atitude minha em desrespeito do que quer que seja que viesse da direcção do partido ou da liderança do grupo parlamentar. Opus-me a uma sugestão do presidente da Assembleia para juntar dois pontos da ordem de trabalhos numa sessão parlamentar, porque achava que desvalorizava uma iniciativa apresentada pelo CDS que, misturada com a outra, perdia força. Pelo espanto causado, apercebi-me que isso afinal tinha sido sugerido ao Presidente da Assembleia pela liderança pelo meu próprio grupo, quando nada disso nos tinha sido referido previamente. Aliás, pelo teor da única intervenção subsequente da responsabilidade do CDS/PP na discussão dessa proposta respeitante às passagens aéreas de estudantes, subentendi que a intenção era afinal essa mesma: desvalorizar a iniciativa do CDS a devido tempo apresentada. Porque fui o autor dessa iniciativa, embora não tivesse tido a possibilidade de a defender, exerci o direito de apresentar uma declaração de voto individual e escrita sobre o tema.

Qualquer das duas atitudes (a oposição e a declaração de voto) são direitos individuais dos deputados, respeitados por isso mesmo e insusceptíveis de serem sujeitos a disciplinas de grupo.

Como já estou treinado em fazer a defesa de processos disciplinares contra deputados – lembro, aos que não sabem, que elaborei, a pedido do próprio, a defesa do deputado Rui Barreto quando em Lisboa o Grupo Parlamentar lhe fez um processo por ter rompido com a disciplina de voto determinada pela direcção parlamentar no orçamento de Estado em defesa das posições da Madeira – é evidente que a minha preocupação é nenhuma e peço às pessoas que ouviram esse excerto que o desvalorizem porque não tem pés para andar!

A história porém não fica por aqui, obviamente. Dada a irrelevância da referida “indisciplina”, perguntam-me duas coisas: o que tem a actual direcção do partido contra mim; e o que é que me faz ainda estar no parlamento.

A resposta à primeira questão resume-se no seguinte: Em vez do CDS/Madeira se renovar no último Congresso, como era fundamental, recusou-se deliberadamente um debate do que devia ser o partido, em proveito de um arranjo liderante para um interregno hibernante e feito de ausência de coragem e de auto-intituladas missões. Partilhou-se o poder e prebendas recusando-se pensar a sério no partido!

Como não subscrevi nem subscrevo semelhante, continuo a lutar na esperança de que o partido mude, dê mais importância ao militante, seja transparente com os seus dinheiros, publique as suas contas e se abra à sociedade.

A segunda pergunta tem uma resposta mais difícil: quando aceitei ser candidato pelo CDS à Assembleia Legislativa nas últimas eleições regionais, regressando a uma atividade politica mais intensa, fi-lo com outra liderança e na confiança que tive na competência, na estratégia assertiva e num bom relacionamento entre deputados do grupo parlamentar. Também porque previ um tempo novo na Madeira, mais democrático, onde podia dar o meu contributo na construção de um edifício legislativo regional muito necessário.

Há muita gente que me acalenta e reconhece algum mérito naquilo que tenho procurado fazer naquele parlamento. Sair agora seria desistir. E como cristão que procuro ser, não gosto de fugir às responsabilidades e de baixar os braços nas adversidades. Soam-me aos ouvidos as exortações recentes do Papa Francisco que o católico não deve desistir, mesmo no campo da política, quando os embaraços são grandes ou a tranquilidade do sofá é mais apelativa. A alma porque não é pequena faz valer a pena!

Como a actual liderança se anunciou em transição, a virtude será a paciência de esperar até que alguém ponha termo a essa fase. Pelo andar desta carruagem, que enxota mais do que atrai, essa alvorada não vai tardar.

Ricardo Vieira”