Visita da imagem de Fátima à Madeira: Pe. José Luís Rodrigues critica “bebedeira religiosa”

josé luis rodriguesO Pe. de São Roque e São José, José Luís Rodrigues escreveu hoje no ‘Banquete da Palavra’ o que muitos criticam, mesmo no interior da Igreja, mas poucos têm coragem de verbalizar.

Num texto intitulado “A bebedeira religiosa esconde o essencial”, o sacerdote diocesano critica a idolatria às imagens quando o essencial é Jesus Cristo, o Santíssimo Sacramento.

“Reflexão sem ofensas hoje como sempre no Banquete da Palavra. Quem não for capaz de ler ou se não souber ler, por favor não leia, mude de página, há tanta coisa por aí nesta internet onde se pode ocupar. Não aceitamos ser ofendidos…”, alertou.

Eis o texto na íntegra:

“A imagem de nossa Senhora de Fátima Peregrina que visita a Madeira por estes dias, tem feito correr multidões, não só na Madeira mas também por todo o país, nas dioceses por onde tem passado, porque há mais 12 imagens peregrinas que estão a fazer visitas semelhantes a esta. Mas ainda vou mais longe, esta é uma imagem idêntica a centenas delas que há nas nossas igrejas e nas casas de milhares de madeirenses e portugueses. Alguém justificava a veneração da imagem peregrina como um retrato de um familiar que se coloca sobre o móvel ou na parede da casa. Acho esta analogia estranha. Logo a seguir se vai dizendo ainda que é a mesma imagem que visitou a Madeira em abril de 1948, coisa que também não percebo qual a relevância. Neste sentido, estou seguro que não será ainda desta que ficaremos convencidos que a maioria tem sempre razão.

Por isso, seguimos a indicação de Maria de Nazaré no Evangelho de São João, nas famosas Bodas de Caná, quando diz aos serventes da boda: «fazei tudo o que ele vos disser» (Jo 2, 5). Para nós basta-nos isso, que reconheçamos que Maria de Nazaré é a Mãe do Filho de Deus, que se tornou Mãe de Deus e Mãe de alguns crentes cristãos, particularmente, católicos e que com Ela e por Ela podemos ver e chegar até Jesus.

E acrescento o que muitos não querem aceitar e que deve corresponder perfeitamente à verdade da história. Maria foi Discípula e Apostola de Jesus. Ao contrário da grande multidão que vai à busca dos milagres de Maria, eu fixo o meu acreditar precisamente aí. Gosto de aceitar e acreditar que Maria foi, é Mãe, Discípula e Apostola. Se isto for uma heresia, deixem-me ser herético e que no fim, lá no céu Deus me julgue. Acredito que Ele será justo Comigo.

Conta-se que alguém entrou numa igreja e perguntou à pessoa que cuidava da igreja naquele momento, onde estava o santo dos cancros porque precisava muito de rezar-lhe e pedir-lhe um milagre. O guardião do templo, sabedor de alguns contornos da religião, rematou com o seguinte: «vá acolá adiante do Santíssimo Sacramento que Ele é de clínica geral». Pois…

Por isso, sem intermediários, mesmo que lhes conheça toda a dignidade e o valor de santidade, coloco-me humildemente diante do Santíssimo Sacramento e rezo deste modo cinco itens entre muitos outros que podem também ser lembrados e rezados:

O nosso sistema de saúde anda pelas ruas da amargura. Os cuidados de saúde estão numa penúria confrangedora. Será que esta onda gigante de devotos está consciente destes problemas? – Ora se está! Até reza isso… Provavelmente, revolta-se entre portas e nas esquinas das ruas escondido para que só oiça o seu maldizer a sua pequena rede, os muito próximos da sua relação humana.

Neste domínio da saúde dizem existir exemplos esporádicos que nos merecem apreço de grandes profissionais ligados à saúde. Mas ouve-se falar de irresponsabilidade, desorganização, má gestão e falta de dinheiro para o que é necessário ao trabalho dos agentes da saúde para que os nossos hospitais deixem de ser antecâmaras de morte.

Não é raro saber-se que muitos doentes entram com uma doença e saem para o cemitério com outra contraída dentro do hospital, que resulta da escassez de materiais necessários às desinfeções e aos cuidados básicos para curar as doenças. Não há verba, como se convencionou rematar a partir da famigerada crise, para justificar a injustiça, a desordem e o muito desleixo. 2. A nossa educação também está como está. Somos a região do país com o maior abandono escolar. Os professores andam em pânico por causa da violência e do mau comportamento dos alunos. Há crianças que chegam à escola com fome. Mas não falta dinheiro para a mesma clientela e para alimentar os famosos vícios adquiridos. Ao pé de Maria não oiço ninguém rezar e muito menos pregar isso.

Somos a região do país com o desemprego mais elevado, o que vai gerando uma rede de pobreza cujo número de pobres só Deus sabe, porque os governantes desta terra não permitem que se faça nenhum estudo que nos permitisse ter uma perceção mais objetiva sobre o flagelo da pobreza na nossa terra. O melhor destino turístico do mundo exige que os pobres fiquem como estão, escondidos dentro de um número que se desconhece.

Outro motivo da minha oração centrou-se na violência. Todo este ambiente de desemprego e de pobreza estão a criar homens, mulheres, jovens e crianças cada vez mais violentos, desocupados, sem perspetivas de futuro, desorientados sem valores, que se apresentam agressivos, desordeiros e cheios de desrespeito por si próprios, pelos outros e pela natureza. Basta dar uma volta pelo nosso Funchalao cair da noite para nos apercebermos a olho nu como a prostituição de rua está a crescer enormemente.

A violência doméstica vai revelando o descalabro da educação no desarranjo familiar, a ganância pelas miseráveis pensões dos idosos vai semeando o medo, a insegurança nesta porção enorme da nossa população. Houve-se falar de graves maus tratos contra idosos indefesos e desprotegidos à mão de familiares sem escrúpulos que não se inibem de cometer atrocidades contra os seus entes fragilizados pelo peso da idade.

E por ter falado na rua, lembrei-me que andam a vaguear na nossa cidade cerca de 200 pessoas sem abrigo. Esta grande vergonha de uma cidade que se gaba de ser turística, asseada e toda a Católica, permite-se ter cidadãos a vaguear nas suas artérias ao deus dará. Um escândalo que nos devia envergonhar a todos. Passam fome e tremem de frio sobre as pedras nos recantos da rua.

Porém, no entretanto estou a me lembrar de outras situações que estimo colocar no coração do Santíssimo Sacramento. Leio o livro belíssimo do Papa Francisco, «O nome de Deus é misericórdia». Aqui está reafirmado pelo Papa que «pensando no testemunho dos papas que me precederam, e pensando na Igreja como um hospital de campanha, onde se curam prioritariamente as feridas mais graves. Uma Igreja que aquece o coração das pessoas com a proximidade» (pág. 25). Ah pois os problemas são tantos e tudo se matem na mesma, um sossego pouco desassossegado. Basta olhar à volta. Património religioso a degradar-se sem que seja cumprido o fim a que se destinava, alguns levam a assinatura da caridade para maquilhar os fins e calar as vozes tentadoras do demónio que se gastam a mexer no que alguém entendeu que Deus quer que fique quieto.

Por aqui se vê que enquanto andarmos perdidos, «bêbados» com excessiva religião popular, porque mobiliza multidões, não restará tempo para escutar o Mestre, exatamente, como manda claramente Maria de Nazaré, a Mãe de Jesus”.