As duas faces da Educação Neoliberal

Jesus Maria Sousa

Num exercício de projeção de futuro, tendo em vista o desenvolvimento do pensamento estratégico indispensável a quem deseje tomar a iniciativa da mudança, ao invés de ser por ela comandado, a construção de cenários é uma técnica que dá atenção às tendências, geralmente em oposição, que já se fazem sentir na atualidade. No momento político em que vivemos, de incerteza e indefinição sobre o que o futuro nos reserva, são nítidas duas driving-forces que se degladiam: por um lado as forças do neoliberalismo, e por outro, as da coesão social. Pois bem, este texto pretende abordar dois cenários possíveis em Educação, sob a batuta do neoliberalismo, deixando para o próximo texto a descrição de outros dois, marcados pelas políticas de coesão social. Convido o leitor a me acompanhar nestas deambulações. Como será a Educação daqui a 10 anos?

Num dos cenários de Educação Neoliberal, qualquer pessoa que deseje fundar uma escola ou uma universidade poderá fazê-lo, com pouquíssima exigência à partida, dado que será o mercado, mais tarde, a separar o trigo do joio, pois assim como haverá liberdade total para a sua abertura, também existirá liberdade total para os alunos escolherem as instituições que quiserem frequentar. Pois será o mundo do trabalho a determinar quais são as boas e as más, ao aceitarem uns e recusarem outros candidatos, conforme a formação de origem, na lógica de que o aluno deverá ser preparado para o mercado de trabalho.

O professor deixará de ser o profissional de educação, preocupado com o desenvolvimento da cidadania, o espírito crítico e a participação, para se focar no que Apple designa de “capital técnico-científico”, onde terão lugar as matemáticas, engenharias, biotecnologias, microeletrónicas, etc., do campo específico das ciências duras, aliado a duas línguas estrangeiras (Inglês e Espanhol ou Mandarim). A reflexão filosófica não será necessária, tal como o questionamento crítico que as ciências sociais poderiam estimular. As artes e as humanidades também serão vistas como áreas ociosas de fruição e de lazer, por isso incompatíveis com as exigências do mundo moderno.

Sendo os alunos e os pais dos alunos consumidores diretos, ao professor ficará reservado o papel de prestador de serviços, sendo ele o responsável exclusivo pelo sucesso ou insucesso do aluno, e por isso mesmo facilmente descartável se os resultados forem negativos. Com a redução do financiamento do Estado e correspondente desresponsabilização social, o exercício da profissão docente passará a ser altamente precária. Não existirão contratos de trabalho prolongados, e muito menos definitivos. O professor terá de acumular percentagens aqui e ali, para prover o seu sustento e prevenir o desemprego.

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Num outro cenário de Educação Neoliberal, acreditar-se-á que a educação escolar detém um papel estratégico, enquanto motor principal de crescimento do País. Mas não através da escola pública, pois esta será vista como um desperdício do Estado e sinónimo de laxismo, indisciplina, ineficácia, falta de rigor e de criação de hábitos de trabalho. A educação deixará, por isso, de ser gratuita, apesar de cada qual poder candidatar-se a empréstimos e bolsas de estudo, cujo montante deverá ser devolvido, mal se entre no mercado de trabalho. Os manuais serão preservados, pois não haverá desperdício de recursos. Nesta lógica empresarial, o professor não perderá tempo com a regulação da disciplina e a inclusão social dos menos capazes. Esses serão destinados ao ghetto dos que futuramente terão de se dedicar aos trabalhos mais duros e penosos do ponto de vista físico.

A livre circulação de capitais estrangeiros permitirá também que universidades e colégios prestigiados de outros Países assentem arraiais no nosso, investindo na modernização das instalações e dos equipamentos, promovendo assim uma maior competitividade entre as instituições nacionais e estrangeiras. E por se desejar ficar no topo dos rankings anuais, todas as aulas serão lecionadas em Inglês. Os professores estarão altamente motivados, pois por cada aluno que ultrapasse uma determinada fasquia, receberão um bônus extra no salário.

A autoridade do professor será reforçada, através de regulamentação própria que preverá castigos e mesmo expulsões aos alunos que prevaricarem, pois dele dependerá o sucesso da instituição, a ser publicitada pelos resultados alcançados individualmente. E os bons resultados atrairão novos alunos a quem será legítimo pedir mensalidades mais altas. O que é bom paga-se. A escola passará a ser vista como um negócio que pode ser lucrativo, um negócio onde a mercadoria a transacionar será a educação e o professor a principal peça da engrenagem, sendo por isso socialmente respeitado. Apenas os mais aptos terão acesso a cursos de Doutoramento em Pedagogia, como requisito de habilitação profissional.

A opinião ao leitor.