Arquitetas premiadas sonham em projetar casas ‘low cost’ em Portugal

carla pereira rita borges
Ambas efetuaram o seu percurso universitário entre Portugal e Itália, país onde se conheceram. Após terem seguido percursos de vida diversos, Carla Pereira e Rita Borges encontraram-se novamente neste projeto que lhes valeu reconhecimento internacional.

Carla Pereira e Rita Borges, naturais da Madeira e da Ilha Terceira, Açores, acabam de ganhar um prémio internacional de arquitetura. Isto porque idealizaram uma habitação low-cost, capaz de resistir a desastres naturais.

Interpeladas pela devastação e o flagelo humanitário causado pelos tufões e tsunamis que afetam a zona do Pacífico, as jovens escolheram as Filipinas para dar corpo às suas ideias. Foi no âmbito do curso Designing Resilient Housing que as duas arquitetas insulares desenvolveram o projeto de uma casa modular, económica, ecológica e capaz de resistir aos piores cenários.

O trabalho valeu-lhes o Award of Distiction pela Open Online Academy, de Nova Iorque, entidade que ministrou o curso.

O grupo que formaram projetou uma casa construída com materiais locais, que no máximo pode custar 6.278 dólares (pouco mais de 5.500 euros).

Em novembro, o trabalho será exposto em Manila, nas Filipinas, no âmbito da Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC) e, em janeiro de 2016, na Sede das Nações Unidas, em Nova Iorque.

Ao FN, as arquitetas manifestaram a satisfação pela distinção e sublinham que o trabalho é o resultado da vontade em dar algo de bom ao mundo e às populações mais vulneráveis. A falta de habitação e a as condições de habitabilidade degradantes que persistem nas duas regiões autónomas preocupam as jovens. Replicar o projeto em território nacional é um sonho que as duas acalentam.

A madeirense Carla Pereira vai mais longe e confessa o sonho de, um dia, desenvolver uma moradia modular de baixo custo destinada a realojar a população que ainda vive nas zonas de risco do Funchal.

Funchal Notícias – O que significa este prémio nas vossas carreiras?

Carla Pereira/Rita Borges – Ter conseguido um segundo lugar, ou seja, o Award of Distiction pela Open Online Academy, foi muito bom por vários motivos. Afinal de contas, somos duas jovens arquitetas com poucos anos de experiência. Participámos num curso com pessoas de todo o mundo e ligadas à área da construção, ou seja, não só arquitetos como também engenheiros, geólogos, designers, engenheiros físicos e técnicos. Pessoas com muita mais experiência e idade e, por consequência, com muita mais “bagagem” cultural e profissional do que nós.

Por estes motivos estamos muito contentes com este prémio e, porque além de vermos o nosso trabalho reconhecido, sentimos que com este projeto podemos contribuir com a nossa formação e trabalho para melhorar a vida de alguém.

FN – Trata-se apenas de um projeto de arquitetura ou este trabalho procura alcançar outros objetivos (intervenção social, apelo aos setores político e económico)?

CP/RB – Visto que nós as duas sempre nos dedicámos a projetos de ordem sustentável e ecológica, direi que este projeto é o resultado da nossa vontade em dar alguma coisa boa ao mundo.

É um projeto de arquitetura pensado para ser realmente construído, para poder dar abrigo a famílias que vivem em locais mais propícios a desastres naturais. Sobretudo, dar a confiança a estas famílias de que a habitação, mesmo que não resista na íntegra e sofra alguns danos, resistirá e é o seu abrigo, o local onde podem estar seguros em caso de catástrofe.

Desta forma, e tendo em conta que desenvolvemos o projeto no sentido de um crescimento urbano, previmos a situação de criar uma vizinhança com estes edifícios. Isto é, a casa em si como é modular pode crescer conforme a necessidade da família e, posteriormente, num aglomerado urbano, a vizinhança estabelece-se, criam-se dinâmicas sociais e o desenvolvimento da própria economia local. Acreditamos que este projeto pode alcançar objetivos sociais, políticos e económicos e contribuir positivamente para o desenvolvimento de um local onde este se venha a implementar.

prémio arquitetura carla pereira rita borges
Pormenor do projeto premiado pelas arquitetas portuguesas.

FN – Qual o próximo passo? Estarão a acompanhar no terreno a construção destas habitações? Quando e em que zonas?

CP/RB – O próximo passo será a exposição em Manila. O objetivo é dar a conhecer o projeto localmente e as suas características, de forma a encontrar possíveis financiadores e prosseguir com a construção.

Por outro lado, a apresentação do projeto poderá entusiasmar e motivar a mão de obra local e as próprias famílias a um envolvimento direto na construção dos edifícios.

Quanto à exposição em Nova Iorque, acreditamos que será mais num sentido de encontrar entidades ou organizações internacionais que ajudem a promover e a implementar o projeto nestas zonas afetadas por desastres naturais.

Independentemente disto, não sabemos o que o futuro nos reserva. Não podemos garantir o acompanhamento da construção nem especificar que será em tal mês ou ano. Ambas temos as nossas vidas estabilizadas nos Açores e na Madeira, mas nada impede um eventual acompanhamento dos trabalhos nas Filipinas. Esperemos pelos próximos desenvolvimentos!

FN – Há projetos semelhantes para Portugal e/ou Regiões Autónomas?

CP/RB – Não conhecemos projetos semelhantes para o território português ou ilhas. No entanto, dentro do mesmo conceito, pretendemos desenvolver este trabalho e foi um dos primeiros assuntos falados após o término do curso. Claro que os materiais e as técnicas utilizadas não poderiam ser as mesmas, pois o bamboo, por exemplo, é um material muito utilizado na construção e em abundância nas Filipinas mas, como se sabe, não nos nossos arquipélagos.

Estamos numa fase inicial de desenvolvimento desta pesquisa, sempre com o objetivo de promover uma construção modular, com possibilidade de crescimento para ir ao encontro das necessidade dos habitantes/famílias e, claramente, com materiais adequados ao nosso clima, logo de uma forma ecológica e sustentável.

O preço final da habitação também é um desafio a ter em conta, visto que seria interessante conseguir uma habitação com materiais alternativos mas a um preço baixo e, quem sabe, em vez de casas construídas apenas para resistir a desastres naturais, serem casas a escolher no dia-a-dia.

FN – A Carla é natural da Madeira. Como gostaria, um dia, de colaborar em matéria de recuperação ou inovação arquitetónica na Região?

CP – Antes de mais, acredito – e a Rita também – que este nosso projeto poderá vir a ser um ponto de partida para uma recuperação e inovação da arquitetura na Madeira e até mesmo nos Açores. Falo claramente na falta de habitação e na degradação do parque habitacional. Ao longo do meu percurso académico e posteriormente profissional, procurei sempre perceber mais sobre este mundo que muitos de nós procuramos esquecer ou fingir que não existe.

Existem pessoas que vivem em condições degradantes, que vivem em espaços sem as mínimas condições de habitabilidade. Inclusive tive a oportunidade de ver alguns casos aqui na nossa ilha;  e são estas pessoas que precisam da nossa mão e do nosso conhecimento para voltarem a adquirir o seu direito a uma habitação confortável e segura.

O nosso projeto é apenas um ponto de partida para melhorar e resolver estas questões. Partimos de um conceito de habitação low-cost, simples e fácil de construir e, acima de tudo, sustentável.

A meu ver é tudo o que nós precisamos, e é tudo o que a nossa ilha precisa, face à situação económica que atravessamos. Gostaria de contribuir para a resolução destes casos que tanto marcam a nossa ilha. Tendo como referência este nosso projeto, gostaria de projetar uma habitação-tipo, que pudesse ser construída para realojar toda a população que vive em zonas de risco na nossa cidade.

Para mim essa é a melhor forma que tenho, enquanto arquiteta, para contribuir para o bem-estar da nossa ilha. Costumo sempre dizer que antes de pensar em mudar o mundo lá fora, é fundamental e extremamente necessário, face à nossa realidade, mudar primeiro cá dentro.