Ana Hatherly: partiu uma artista multidisciplinar

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O panorama cultural português foi hoje ensombrado por uma triste notícia: o falecimento de uma das pioneiras da poesia experimental portuguesa, que desenvolveu no domínio visual e, simultaneamente, literário, tal como se pretendia com aquele género: Ana Hatherly.

Uma verdadeira senhora nos modos e dona de uma grande bagagem cultural, tranversal a muitas áreas, Ana Hatherly morreu num hospital lisbonense aos 86 anos, deixando a literatura e as artes plásticas portuguesas – e, de um modo geral, a Cultura – de luto. É mais uma perda a acrescentar aos muitos talentos que nos têm deixado, muitos deles praticamente esquecidos, e ofuscados por uma nova geração de escritores com pouca substância mas muita conversa nos programas de televisão.

Hatherly era uma respeitada catedrática da Universidade Nova de Lisboa (na qual ajudou a fundar o Instituto de Estudos Portugueses) licenciada em Filologia Românica, e detentora de um doutoramento em Estudos Hispânicos.

Nascida em 1929, começou a sua carreira literária em 1958, sendo, com Ernesto de Melo e Castro, uma das figuras de proa do movimento da poesia experimental no nosso país. O jornalista autor deste artigo teve o privilégio de a entrevistar, há anos, para o DN Funchal, aquando de uma sua passagem pela Madeira. Já o mesmo fizera, então, com Ernesto de Melo e Castro. Isto passou-se nos (para nós, pelo menos…), saudosos tempos em que extensos trabalhos de Cultura tinham cabimento e lugar nas páginas daquele matutino.

Uma das fundadoras do Pen Clube português, esta autora veria, mais tarde, a sua obra premiada quer por esta agremiação, quer pela Associação Portuguesa de Escritores (APE). Foi-lhe atribuída em 2009 a condecoração de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

Além do Pen Clube, ajudou a fundar publicações como ‘Incidências’ e ‘Claro- Escuro’.

Entre as suas obras, contam-se títulos como “Um ritmo perdido” e “As aparências”. “Eros frenético”, “Anagramas”, “A dama e o cavaleiro”, a série “Tisanas”, “Rilkeana”, “A mão inteligente” e “O cisne intacto: Outras metáforas – Notas para uma teoria do poema-ensaio”.

No domínio das artes plásticas, tem obra em Serralves e na Gulbenkian. O seu espólio está na Biblioteca Nacional, na Gulbenkian e no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea.

Era uma pessoa de singular gentileza e amabilidade, com a simplicidade dos verdadeiramente grandes, que gostava de conversar sobre temas da cultura e da actualidade. Muito se perde com a sua partida.