Eusébio no Panteão é ato democrático e de justiça

Eusébio leva o futebol ao Panteão Nacional. As honras desta tarde são homenagem do país a uma lenda, disse Cavaco Silva.
Eusébio leva o futebol ao Panteão Nacional. As honras desta tarde são homenagem do país a uma lenda, disse Cavaco Silva.

Cavaco Silva considerou Eusébio um símbolo nacional e uma personalidade que uniu portugueses e a lusofonia. O Presidente da República falava há pouco na cerimónia de transladação dos restos mortais do jogador para o Panteão Nacional, um ato que considerou democrático e de justiça. Para Assunção Esteves, a presidente da Assembleia da República, o “rei” foi revolução, já que o seu talento permitiu a globalização de Portugal numa altura em que o país se fechava ao mundo.

As cerimónias de deposição dos restos mortais do futebolista Eusébio no Panteão Nacional ainda decorrem. O ato oficial prossegue, na sua última fase, com a deposição da urna no interior do edifício.

Há pouco, o Presidente da República, no seu discurso de despedida, fez questão de elevar Eusébio ao estatuto de símbolo nacional, estando sempre “muito acima das querelas do quotidiano.”

Cavaco Silva falou da sua admiração pela personalidade invulgar do futebolista, que esteve “acima de divisões ideológicas e das contendas desportivas”, motivo pelo qual não poderia deixar de associar-se à iniciativa da Assembleia da República em atribuir honras de Panteão àquele que foi considerado o melhor futebolista do mundo em 1965.

“O Eusébio é património de todos, destacando-se não só pela arte no relvado mas também pela sua humildade e calor humano”, disse. “Foi uma das personalidades mais cativantes que conheci. Encarava com humildade a grandeza do seu génio”.

Recordando o seu papel na seleção, a qual “serviu com dedicação e sem limites”, Cavaco Silva sublinhou que as “lágrimas de Eusébio foram lágrimas de Portugal no dia da sua morte.”

Relativamente à decisão de trazer Eusébio para o Panteão Nacional, a primeira personalidade associada ao mundo do desporto, Cavaco Silva explicou tratar-se de uma forma de o Estado exprimir a sua gratidão a uma lenda, sendo uma justa homenagem a uma pessoa que, pela força do trabalho, deu tantas alegrias ao país. O Chefe de Estado destacou ainda o seu papel unificador, considerando ter sido um “traço de união entre portugueses e a lusofonia”.

“Eusébio não estará apenas nos corações. Repousará ao lado das mais altas figuras da nação. É um ato de gratidão, democrático e de justiça”.

Metáfora do jogo da democracia

Assunção Esteves, por seu turno, realçou a humanidade e a ética do “menino nascido em Moçambique”, um vencedor que se tornou um mito, sendo a marca de Portugal no mundo.

“Num país fechado, trouxe um mundo cosmopolita e o passaporte da globalização”, referiu a Presidente da Assembleia da República, salientando o seu papel na abertura de “um país à espera de justiça”.

“O seu talento”, frisou, “ é ao mesmo tempo pátria e revolução, provocando a rendição de sociedades, de domínios, desafiador de regras. Deixava ver as incoerências de um regime político que o levava ao mundo mas se fechava ao mundo”.

Segundo Assunção Esteves, a magia de Eusébio reside no facto de ter superado a mortalidade pelos seus feitos. “Foi a metáfora do jogo da democracia”.

Os dois ícones de uma época que enaltecia o fado e o futebol estão agora no Panteão Nacional.
Os dois ícones de uma época que enaltecia o fado e o futebol estão agora no Panteão Nacional. (foto desporto sapo.pt)

Irmão de todas as cores

O elogio fúnebre esteve a cargo de António Simões, colega e amigo de longa data. Considerando o momento um dos maiores desafios da sua vida, o ex-jogador relembrou as qualidades humanas e profissionais de Eusébio.

“Era de todos nós, transportava talento, momentos inigualáveis de glória. Era arte, cultura e deslumbramento absoluto”, sublinhou António Simões, para quem o seu prestígio continua a merecer elogios entre várias figuras proeminente do “mundo da bola”.

Recordando as palavras e os laços que os uniam, ao ponto de Eusébio o tratar por “meu irmão branco”, António Simões recordou que esta atitude de fraternidade era comum em relação a outros nomes do mundo do futebol. “Ele era o irmão de todas as cores”, disse. “Nunca teve rancor pelo adversário, antes um grande respeito”.

Segundo António Simões, Eusébio reunia consensos não apenas no desporto, mas igualmente na política, relembrando as relações cordiais que o jogador mantinha com figuras de várias zonas do espetro político-partidário. “Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Jorge Sampaio admiravam-no”.

Herói popular do séc. XX português, foi ele um dos responsáveis pelo reforço da credibilidade do país. “Fazê-lo repousar junto de figuras grandes da nação é ato de justiça”, defendeu.

António Simões terminou o seu discurso dizendo que Eusébio rima com imortalidade. “Ele não morreu; nós é que morremos sem ele”.

A cerimónia contou ainda com a presença do Primeiro-Ministro, de elementos da família de Eusébio e de figuras do mundo do desporto. Antes dos discursos, Dulce Pontes interpretou o Hino Nacional.

As cerimónias de transladação foram antecedidas de um cortejo demorado por diversos pontos da capital. Após a saída do cemitério do Lumiar, foi celebrada uma missa em Carnide, cerimónia reservada aos círculos mais próximos do atleta. A urna, coberta pela bandeira portuguesa, foi transportada por uma charrete de quatro cavalos e acompanhada o longo do percurso por 54 efetivos da cavalaria da GNR, como guarda de honra.

Ao longo do trajeto, foram muitos os cidadãos que quiseram prestar a última homenagem ao “rei”. A urna, primeiro em carro funerário, passou pelo Estádio da Luz, seguindo depois em armão militar rumo à Assembleia da República, tendo-se realizado uma breve paragem junto à sede da Federação Portuguesa de Futebol.

Eusébio da Silva Ferreira, que faleceu em janeiro de 2014, é a 12ª personalidade a ser transladada para o Panteão Nacional. Ficará na sala dois, partilhando o espaço com Aquilino Ribeiro (romancista), Sophia de Mello Breyner (escritora) e Humberto Delgado (militar).