Que tenham dias felizes!

Por vontade própria, aposentei-me após 47 anos, 1 mês e 7 dias de serviço público, dedicados à Educação e à Cultura, em diversos graus de ensino e instituições, onde sempre entrei, com as habilitações legalmente exigidas, pela porta da frente ou, se quiserem, pelo portão estreito (Mt 7,13-14). Por despacho de 7 de Novembro passado, a Caixa Geral de Aposentações reconheceu-me o direito à aposentação.

Estou grato por ter chegado aqui e espero poder continuar a trabalhar e pugnar pelas mesmas causas e valores, naturalmente num contexto diferente.

Muitas histórias guardo deste percurso. Registei-as em numerosos papéis. Desse tempo, sobressairá, de forma marcante, a saudade das aulas e dos alunos e de algumas pessoas com quem trabalhei e muito aprendi.

Proporcionar situações de ensino e aprendizagem e, passados sete ou oito meses, observar uma criança, que ingressou na escola sem acesso à educação pré-escolar, a ler frases simples e redigir curtos textos foi, sem dúvida, das experiências mais gratificantes. Como deveras compensador foi constatar a evolução de conhecimentos, das capacidades de reflexão crítica e argumentação e do poder de comunicação, sobretudo entre jovens e adultos.

Foi como professor do ensino primário oficial que, no dia 1 de Outubro de 1975, iniciei a actividade profissional, na Escola da Lourencinha, no sítio do Ribeiro Real em Câmara de Lobos, um velho solar em mau estado de conservação e sem condições para estabelecimento de ensino.

Após a licenciatura em História, transitei para o ciclo preparatório e, um ano depois, para o ensino secundário, no qual realizei a profissionalização em exercício na Escola Secundária de Jaime Moniz.

Ingressei, logo depois, na Direcção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC). Aqui permaneci de Outubro de 1986 até ao fim de Setembro de 2002, alcançando a categoria de assessor principal e desempenhando as funções de chefe de divisão e de director de serviços, com provimento, neste último cargo dirigente, através de concurso público.

Na DRAC, tive a oportunidade de fundar e dirigir uma revista cultural, gerir projectos editoriais e desenvolver acções de preservação e salvaguarda do Património Cultural, dedicando-me também à investigação histórica, em consonância com os objectivos e os planos de actividades da instituição.

Um anúncio da Universidade da Madeira (UMa), publicado em 26 de Fevereiro de 2002 no Diário de Notícias do Funchal, motivou-me para retomar a atividade docente.

Na sequência deste processo, a Comissão Científica do Departamento de Ciências da Educação, em 3 de Julho de 2002, deliberou, por unanimidade, propor a minha contratação como professor auxiliar, o que mereceu despacho favorável do Reitor em 5 do mesmo mês.

Contratado por um quinquénio em 1 de Outubro de 2002, obtive a nomeação definitiva num processo contencioso que culminou com sentença a meu favor, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal.

Verificando os bloqueamentos impostos à progressão na carreira universitária, fiz, neste âmbito, aquilo que dependia exclusivamente de mim – as provas de agregação – na área científica de História, em 2013, tendo sido aprovado por unanimidade.

Entrei na UMa com doutoramento, ao contrário de muitos que o obtiveram lá dentro, com anos de dispensa lectiva, e tratei de fazer a agregação no decurso do ano sabático, a que tinha direito. As sucessivas avaliações com classificações de excelente permitiram-me subir na carreira. Não saio, pois, como entrei, em termos de estatuto académico ou remuneratório. Tudo foi fruto do meu trabalho e dedicação à Universidade.

Nestes anos, a UMa, só uma única vez, abriu um concurso para uma categoria superior, ao qual me poderia candidatar. Entreguei um currículo sem falcatruas. Há muitos anos que o disponibilizo online, com sucessivas e necessárias actualizações.

«Venceu» quem apresentou falsas declarações, como tive ocasião de demonstrar em sede própria e, por ser verdade, irei reafirmar, se para tal for chamado, na instância judicial competente, onde decorre a contestação do acto administrativo. «Obteve» o primeiro lugar quem, em 2008, foi publicamente acusada pelo Governo Regional da Madeira de apresentar resultados falsos na sua tese de doutoramento, orientada e defendida na UMa. E qual foi então a atitude da UMa perante as veementes críticas do secretário regional da Educação e da Cultura? Silêncio! Silenciar o escândalo!

O encobrimento também existe na Universidade e, como noutros meios, alimenta-se de silêncios e cumplicidades.

Nessa altura, nem a visada nem a UMa acusaram o secretário regional da Educação e Cultura de difamação. O que me leva a deduzir que lhe reconheceram autoridade e razão ou, para que o escândalo não atingisse proporções maiores, recearam afrontar quem teve coragem para denunciar a fraude e repor a verdade. Agora, em circunstâncias parecidas, quem fala a verdade é perseguido, assediado e violentado nos seus direitos, com a indiferença da Academia. Assim nada de bom se constrói numa instituição. A liberdade deveria constituir razão principal da sua existência, como foi da sua fundação há séculos! Corruptio optimi pessima. Perante a ilegalidade, a autoridade não se pode demitir, invocando a autonomia das unidades orgânicas. Estatutariamente, compete-lhe velar pela observância da Lei. Bonis nocet si quis malis pepercerit.

Esse desonroso concurso para professor associado mereceu, na época, o interesse da imprensa, regional e nacional, e a atenção das redes sociais. A UMa optou pelo silêncio. Depois atribuiu prémio duplo.

Recordo as palavras contundentes do meu antigo colega do Liceu, Rui Nogueira Fino, na sua página do Facebook, em 11 de Fevereiro de 2021:

«Por falar em currículos, peço aos deuses da decência que me livrem do pecado da má-língua. Mas como um currículo diz muito sobre quem o elabora e assina, se calhar já era altura de a UMa esclarecer a opinião pública sobre os contornos alegadamente controversos de um seu procedimento concursal. Compreenda-se. As universidades são centros de investigação, construção e divulgação de conhecimento. Não um lugar de carreiristas sem Ética. Deve ter critérios de excelência. Reduzir a simples irregularidades elementos curriculares falsos será sempre pactuar com a falta de rigor e com a imoralidade. Quero acreditar que não é disso que se trata. Mas a UMa lá saberá o que quer que sobre ela nós acreditemos.»

PONTE SOBRE UMA LAGOA DE LÍRIOS DE ÁGUA. CLAUDE MONET. 1899. METROPOLITAN MUSEUM OF ART, NEW YORK.

Águas passadas não movem moinhos, diz o povo. Tenho, no entanto, para mim, que se do passado devemos reter o que nos fez feliz, convém também não apagar, por completo, o outro lado. A memória de experiências amargas constitui meio de prova, lição para o futuro e medida de cautela para impedir que os mesmos erros se venham a perpetuar sem punição. De resto, a História ensinou-me a guardar memórias e com o povo aprendi que «quem não se sente não é filho de boa gente». Arquivei, por conseguinte, também a tralha, em recanto bem seguro, por diversas pastas, muitas delas subordinadas ao descritor mobbing. Oxalá nunca precise de a expor. Mas, se for necessário, tenho-a à mão.

Em tudo isto não há novidades. Repetem-se as injustiças e as condenações dos que falam a verdade. Quando Pilatos perguntou a Jesus «O que é verdade?», o evangelista João não reproduziu qualquer resposta do Mestre (Jo 18,38). Contudo, Nicodemos referiu que Ele falou na «Verdade do céu.» Então Pilatos tornou a interrogar: «Na terra, verdade não há?». E Jesus disse-lhe: «Vês como os que dizem a verdade são julgados por aqueles que têm a autoridade na terra.» (Evangelho de Nicodemos = Actos de Pilatos, III,2). De facto, que melhor exemplo do que a forma como procediam para com Ele!

Por me ter sido muito útil e a outros poderá beneficiar, trago à memória o que me escreveu em 11 de Outubro de 2002, o Doutor João Medina, professor catedrático da Universidade de Lisboa, meu Mestre e estimado amigo, quando soube do meu ingresso na UMa: «[…] prepare-se para descobrir que é, em geral, no mundo académico que se escondem as pessoas mais ignaras e nulas da nossa sociedade!… Resista, pois, ao desapontamento e nojo que essa descoberta lhe vai suscitar! E só há uma maneira para resistir: trabalhar, trabalhar, trabalhar!»

Sábias e avisadas palavras! Tantas vezes as li e reli nestes últimos vinte anos! Sempre as agradeço, com enorme vontade de trabalhar.

À Academia, uma palavra final: Que tenham dias felizes! Enquanto puder, vou continuar a estudar, investigar, escrever e desfrutar do que a Vida me der. Agradeço, pois, que não me façam perder tempo, porque, como cantou Manuel Alegre, «todo o tempo agora é contra o tempo / e mesmo sem correr só há corrida.»

Chegou a ocasião de sacudir o pó debaixo dos pés, como faziam os judeus e recomendou Jesus aos apóstolos: «Quanto aos que vos não receberem, saí dessa cidade e sacudi o pó dos vossos pés, para servir de testemunho contra eles.» (Lc 9,5)

Só desta maneira conseguirei prosseguir a minha caminhada em paz e, enquanto for possível, com a memória bem desperta e avisada.

Nota:

Corruptio optimi pessima – a deterioração torna péssimo o óptimo.

Bonis nocet si quis malis pepercerit – faz mal aos bons quem poupa os maus.