Muito se tem falado sobre os crimes de membros do clero da Igreja Católica contra a liberdade ou a autodeterminação sexual de crianças, jovens e adultos. Estes abusos foram, durante muitos anos, encobertos pela hierarquia, que, hipocritamente e sem se importar com as vítimas nem com as repetidas investidas dos predadores, tentava preservar a imagem da instituição, muitas vezes humilhando e ostracizando quem denunciava crimes ignóbeis.
Felizmente, nos nossos dias, a postura da Igreja modificou-se, embora com alguma resistência às determinações do Sumo Pontífice.
No início deste mês, numa entrevista à TVI, o Papa Francisco classificou os abusos sexuais da Igreja como uma «monstruosidade», que destruía vidas, e negou que resultasse do celibato do clero: «O abuso é uma coisa destrutiva. Humanamente diabólica. Porque nas famílias não há celibato e também ocorre. Portanto é simplesmente a monstruosidade de um homem ou de uma mulher da Igreja, que está doente em termos psicológicos ou é malvado e usa a sua posição para sua satisfação pessoal. É diabólico.»
Francisco disse ainda que não se deve encobrir abusos sexuais, reconhecendo que, no seio da família, há a tendência para ocultá-los.
Noutras instituições, civis ou militares, públicas ou de solidariedade social, aconteceu (ou acontece?) também o mesmo, sempre com a conivência da hierarquia e em nome da reputação, da moral e dos bons costumes.
No entanto, é de lembrar outros casos de encobrimento, sem qualquer relação com crimes de natureza sexual.
Os casos de corrupção vingam, porque há quem os oculte, a troco de migalhas. A droga circula devido aos silêncios comprados.
Muitas denúncias e notícias de indubitável interesse público não são publicadas nos media. A mando dos seus patrões, encobrem-nas os jornalistas fiéis. Essa nuvem de fumo coarcta a liberdade, manipula a opinião pública e conspurca a democracia.
O assédio e o mobbing, a prepotência e a trafulhice, o ostracismo e a segregação perpetuam-se nos locais de trabalho, até em organizações onde se exigem as mais elevadas habilitações, porque, de um lado, há os alapados ao poder, alguns até já reformados, ou os seus serviçais, e do outro, os submissos, inteligentes no oportunismo e medíocres profissionalmente, apesar de se terem em grande conta, pelo ordinário favorecimento. Noutras circunstâncias, a resignação e a subserviência, ditadas pelas ameaças reiteradas de serem dispensados ou excluídos, e os exemplos de sucessivas vinganças, em redor, destroem o discernimento, quebram a vontade própria e geram o medo. Nestes ambientes nocivos, a produção é diminuta e nada inovadora, apesar da vaidade e do elogio recíproco.
Muitos sabem destes casos, mas encobrem-nos. Sempre, segundo dizem, em defesa da dignidade da instituição. Que dignidade será essa que ofende, espezinha, destrói e até mata?
Pior, todavia, é observar o comportamento de um dirigente de veneranda instituição, passível de ser tomado como caso paradigmático, pela negativa. Antes de chegar ao poder, andou a pedir dinheiro aos colegas para custear um processo judicial, por si desencadeado, a fim de impedir o «sucesso» de determinado indivíduo. Contudo, mal alcançou o almejado lugar, tratou de promover quem antes odiava, na velha táctica de trazer o inimigo para o seu lado.
Sun Tzu (544-496 a. C.), na ‘Arte da Guerra’, preconizou: «Subjugar o exército inimigo sem lutar é o verdadeiro ápice da excelência.» Com razão, neste particular, escreveu o autor do livro de Eclesiastes, alguns séculos antes do nascimento de Cristo: «Nada existe de novo debaixo do Sol.» (1,9).
Esqueceu, porém, o dito chefe que a bandeira branca da caverna de Equidna sempre teve preço elevado, tarde ou cedo impiedosamente cobrado. Quando lhe foi apresentada a factura, manso, ele prestou-se a encobrir a fraude e a promover a grande burla. E, com o encobrimento, se borrou, para sempre. Que Baco não lhe falte!
A ele se aplicam palavras de Pedro, que não sabemos se era o pescador da Galileia: «Aconteceu-lhes a situação do provérbio verdadeiro: um cão regressado ao seu próprio vómito; e uma porca, acabada de lavar, à chafurdice na lama.» (2 Pe 2,22)
Quando, antes do 25 de Abril, falava de qualquer assunto susceptível de leve conotação subversiva, o meu velho professor de Inglês do Liceu Nacional do Funchal, o famigerado «Guiné», sempre rematava com repetida frase, sabida de cor pelos seus alunos: «Nada disto é cá, é lá fora no estrangeiro, na China ou no Japão!» Hoje, por certos respeitos, também digo o mesmo. Lá humor o professor tinha, mas em português!