Entrevista FN (3): Extinção da derrama é importante; não há monopólios na RAM

Fotos: Rui Marote

Para Sérgio Gonçalves, não há efectivamente monopólios na RAM. Se existem, diz, são monopólios “legais”, decorrentes de concursos públicos abertos apenas para um candidato. Por outro lado, acabar com a derrama é essencial para a nossa competitividade.

FN – Voltando a uma questão relativa à fiscalidade: o PS, pela sua voz, diz que o que o move são as populações, mas defende a abolição da derrama. Como justifica esta posição? Não seria lógico que a derrama se mantivesse como forma de taxar as empresas que têm lucros mais significativos? Representando também uma fonte de receita importante para os cofres da Região?

– Nós temos uma realidade muito específica. Nós vivemos numa região insular, ultraperiférica, com custos de contexto e sobrecustos inevitáveis, como a questão dos transportes. É natural, numa região que importa quase tudo. Nós só conseguimos garantir a nossa competitividade se tivermos, efectivamente, impostos mais baixos do que aqueles que existem noutros territórios. Só isso permitirá termos cá empresas. Isso significa oportunidades de emprego para os nossos jovens, para evitarmos o que tem acontecido nos últimos dez anos, quando 17 mil pessoas saíram da Madeira por falta de oportunidades de emprego. Temos de criar um ambiente favorável a essa retenção de empresas e emprego. E são as empresas maiores, aquelas que estão sujeitas à derrama, que criam emprego qualificado em maior número. Nós não podemos querer atrair empresas, por exemplo para o Centro Internacional de Negócios, por via da baixa tributação em sede de IRC, e depois termos outras taxas em cima, como a derrama regional, que, em termos de receita para a RAM, é quase irrelevante (os números que vieram a público foram na ordem dos seis milhões de euros) quando tem um impacto na decisão da empresa de se deslocalizar, ou não, para a Região. Não podemos ter um discurso pela baixa tributação, pela competitividade empresarial, por garantir condições ao nosso tecido empresarial, e depois manter uma taxa que, recordo, também foi criada como uma medida orçamental de cariz temporário. Entretanto, passaram-se doze anos. Não tem razão de existir, na nossa óptica. Pode ser uma questão ideológica noutras geografias, mas numa região que se gere por diferenciações, por majorações, em termos de fundos comunitários, por regimes de excepção em determinados sectores, não podemos introduzir este género de barreiras às empresas.

FN – Uma das críticas que foi feita ao anterior presidente do PS, Paulo Cafôfo, e que foi repetida muitas vezes, foi a de ter-se comprometido, de alguma maneira, a limitar o poder dos grandes grupos económicos na Madeira, ou favorecer antes de mais o interesse da população sobre o interesse desses grupos, e ter feito, ao fim e ao cabo, o contrário. Está consciente, com certeza, que o eleitorado olhará para o seu historial laboral, verificando que vem dum grande grupo económico… Defende agora a extinção da derrama.. E as pessoas questionam-se se de facto o interesse é o de defender as grandes empresas, ou a população e as Pequenas e Médias Empresas, por outro lado. O tecido empresarial também é constituído pelas PMEs, que representam uma vasta fatia dos rendimentos de muita gente que trabalha na Madeira. E há quem entenda que existe uma injustiça sobre o taxamento das PMEs, em relação às facilidades concedidas a grandes grupos económicos. Isto é uma realidade? Existem oligarquias na Madeira?

– A nossa grande preocupação são as pessoas e a criação de oportunidades que não existem. Aquilo que os números mostram hoje é que somos a região mais pobre do país, a região com mais alta taxa de risco de pobreza e de exclusão social. Um em cada três madeirenses vive nesta situação. São mais de 80 mil pessoas. Temos o mais baixo poder de compra. Temos mais de 9 mil jovens entre os 16 e os 34 anos que não estudam nem trabalham. 27 por cento do desemprego são jovens nessa faixa etária. São tudo indicadores de que temos de implementar medidas que criem emprego e o preservem. O sector empresarial é fundamental para isso. Não devemos criar emprego por via da cunha, do cartão laranja, e da dependência que existe, do regime. Temos de alterar o paradigma de desenvolvimento. Respondendo directamente à pergunta que me fez, se o objectivo é defender este ou aquele grupo económico ou as pessoas… naturalmente que é defender as pessoas.

FN – Quando me diz que os grandes grupos económicos são quem dá mais emprego aqui na Madeira a muita gente, é verdade. E o Governo Regional também é um dos grandes empregadores. Agora, a questão é se a solução para reter a juventude na Madeira, evitar que emigre, continuará a ser o emprego facultado pelo Governo Regional e por esses grandes grupos económicos. Sabendo-se que há quem pague muito mal a trabalhadores qualificados, especialmente em início de carreira…

– Nós defendemos um modelo de atracção de empresas… não podemos olhar para as taxas, ou níveis de tributação, para aplicar apenas a quem cá está. Se nós mantivermos as coisas no estado em que elas estão, não vamos mudar nada. O objectivo é também criar um ambiente competitivo que permita a quem cá está crescer. Seja de que dimensão for, sejam PMEs, sejam as maiores empresas, seja quem quer entrar [no mercado]. E nessa lógica de atrairmos investimento para a Região, o sector das tecnologias é fundamental. Nós não conseguimos conceber que uma empresa tecnológica que entre na RAM, que tenha desenvolvido um serviço ou um produto de excelência, que não vá ter um lucro tributável superior a um milhão e meio de euros. Claro que terá. Agora, não vamos conseguir atrair esse tipo de empresas, que vão criar emprego qualificado, que vão absorver muitos dos nossos jovens que saem das universidades, ou do ensino técnico-profissional, se tivermos barreiras à entrada dessas empresas como uma taxa de derrama. Aí já não estaremos a competir com outros centros internacionais de negócios, que têm taxas de IRC a 5 por cento. Estamos a ficar para trás, porque temos uma taxa adicional, que incide sobre essas empresas, da mesma forma que temos tributações autónomas e outro tipo de impostos que fazem com que a taxa efectiva seja muito superior àquela que é a taxa nominal de IRC. Não se trata, portanto, de beneficiar quem cá está, ou deixar de beneficiar quem quer que seja… trata-se de criar um ambiente favorável a que tenhamos mais investimento. E podem ser empresas regionais, desenvolvidas por madeirenses, naturalmente. Têm é de ter condições para ser competitivas, face ao resto do mundo.

FN – Na sua perspectiva, o Governo Regional tem favorecido monopólios na RAM ao longo dos anos?  Existem monopólios, cá?

Que eu saiba, não existem monopólios. Existem empresas que actuam em regimes de concorrência, e existem determinadas situações, que decorrem de concursos públicos internacionais e de concessões. Naturalmente que, numa concessão em que, pelo próprio concurso, só existe um operador, poderá ser chamado monopólio, mas é um monopólio legal e criado por via do legislador.

FN – O Governo Regional tem sido acusado de afastar investidores… Por exemplo no sector portuário…

– Eu não tenho conhecimento dessas situações, se existe ou não essa…

FN – Por exemplo o caso do “Armas”…

– Mas afastar em que sentido?

FN – Criar dificuldades ao estabelecimento no mercado…

– A minha opinião, relativamente à questão do ferry… há aqui dois temas: a minha posição, que é muito clara, já o disse e inclusivamente está escrita na moção, é de que no dia em que nós [PS-M] formos governo, lançaremos um concurso público internacional para termos uma ligação de ferry ao continente. E depois há o historial do que tem sido a operação ao longo dos últimos anos. O mercado estava aberto, houve um operador que decidiu entrar, operou durante alguns anos, e depois decidiu não continuar. Depois houve a intenção do Governo Regional proporcionar o regresso à linha, lançou um concurso público internacional que ficou deserto, e depois lançou um concurso público internacional que teve um único candidato e que foi operado durante dois anos. Segundo as contas que são conhecidas, a operação não era rentável para aquele período. Aquilo que nós temos como compromisso é criar efectivamente as condições, através de concurso público internacional, que permita a qualquer operador sem excepção…

FN – Mas para ser rentável é preciso que se processe o transporte de carga, não? Não só passageiros…

– Há e sempre houve transporte de carga na operação ferry, quer nos anos anteriores, quer nos últimos dois Verões em que tivemos a ligação.

FN – Mas não em quantidades significativas.

– Isso aí dependerá do operador e da sua capacidade…

FN – E, em seu entender, o ferry é exequível? Muita gente fez essa promessa do ferry, inclusive António Costa… Porque é que não se cumpre essa ligação? Não é, também, uma obrigação do estado português manter a continuidade territorial às ilhas?

Respondo de forma muito directa, por aquilo que são os dados públicos, e por aquilo que é a minha experiência profissional no sector: parece-me evidente que esta operação não será viável sem subsidiação. Pelo menos, numa fase inicial. Por isso é que nós dizemos que lançaremos um concurso público internacional, para que a ligação seja uma realidade, no dia em que formos governo. O que não vemos, da parte do Governo Regional, é a intenção, sequer, de lançar esse concurso público. Lançaram-no em 2018 com objectivos eleitoralistas, hoje sabemos disso, caso contrário, a operação não tinha terminado precisamente no mês em que o PSD de Miguel Albuquerque, através de uma coligação com o CDS, conseguiu manter-se no poder por mais 4 anos. Foi um concurso público lançado apenas para enganar os madeirenses, porque depois nunca mais houve diligências no sentido de termos essa operação. E há um silêncio relativamente a essa matéria.