A Páscoa está a chegar

Rui Marote
A Páscoa para os Judeus vem do termo hebraico Pesach, que significa passagem ou travessia. Na cultura do povo hebreu esta celebração está relacionada com a saída do Egipto, liderada inicialmente por Moisés, após 400 anos de escravidão. A Páscoa simboliza a travessia dos judeus pelo Mar Vermelho rumo à Terra Prometida.
Já a Páscoa cristã é uma das festividades mais importantes para o cristianismo, pois representa a ressurreição de Jesus Cristo, o filho de Deus.
Na Madeira as comemorações já não são vividas como antes, quando havia mesmo uma comemoração religiosa no interior das igrejas e uma “pagã” no exterior. Hoje tudo mudou. Os madeirenses aproveitam os três feriados para fazerem umas “escapadinhas” da ilha com destino a outras ilhas, ao território continental e ao sul de Espanha.
Como é que os madeirenses se preparavam antigamente para viver essa semana chamada Quaresma ou a Semana Santa em que são feitos os preparativos para o Domingo de Páscoa?
Os cristãos praticantes jejuavam. Era uma semana de abstinência, em que a carne era ementa “proibida” à mesa das famílias. Voltava no domingo de Páscoa, com o tradicional cabrito.
Recordo que os madeirenses com maior poder de compra obtinham esse animal na quinta-feira no calhau em frente à actual Praça da Autonomia. Era um verdadeiro matadouro ao ar livre. Ouvia-se a centenas de metros o doloroso sofrimento dos animais abatidos.
Hoje são poucas as lojas funchalenses que ainda incluem nas montras motivos pascais.
A maioria do comércio funchalense encerrava durante essa quadra e engalanava as suas montras com exposições, algumas  delas de “encher o olho”. A Casa Tavares ,Dois Amigos, Casa Fernandes, estas localizadas nos arredores da Sé, primavam pela qualidade. Na Fernão de Ornelas eram exemplo a Casa Macedo, a Casa das Noivas e exposições fotográficas de noivos na Foto Sol, Carlos Fotógrafo e outros estabelecimentos.
As familias jogavam ao “balamento” durante essa semana.
Nas igrejas durante essa semana era prática corrente  tapar  as imagens com tecido roxo e crucifixos ate ao sábado da Aleluia.
Na Quinta-feira Santa na Sé, de manhã decorria a cerimónia da benção dos Santos Óleos, em que o Bispo tinha a presença de todos os presbíteros.
À tarde a Sé transbordava de fiéis para assistir ao lava-pés. Quando trabalhava no Jornal da Madeira fotografei essa cerimónia durante anos. Lembro-me com particular ironia de um ano em que o Bispo lavou os pés aos internados do Lazareto. Entre eles havia uma figura conhecida dos madeirenses quando se deslocavam ao Poiso em dias de neve e faziam uma paragem para tomar uma poncha: era o” Palinho”, um anão que trabalhava no bar.
Acontece que anos passados o ” Palinho” fez parte dos doze a quem o bispo D. Francisco Santana lavou os pés. Escolhi essa foto, que foi publicada na primeira página do Jornal. Meti-me numa alhada: fui chamado ao bispo para explicar porque tinha escolhido essa foto do anão e não outra.
Explique-se, Rui Marote… (fica aqui esta adenda… para registo)….
Continuemos a descrição do que era costume na Páscoa: do alto do púlpito, um pregador historiava a última ceia e a prisão de Jesus. Tudo era referido.  Ao anoitecer as famílias saíam das suas casas e visitavam as igrejas que estavam abertas ate à meia noite engalanadas com o seu camarim e no alto o ostensário ou custódia onde estava exposta a hóstia sagrada.
A via sacra começava na Igreja do Carmo, seguia para a Igreja do Colégio, Santa Clara e Sé. Durante o percurso fazia parte da bolsa das velhinhas o saquinho das amêndoas e os torrões para saborear  com paragens em frente às vitrinas dos estabelecimentos comerciais.
Na Sexta-feira Santa, que antecede o Domingo de Páscoa era proibido ouvir música ou ver televisão. Até mesmo varrer ou pegar num martelo, nem pensar, por respeito á morte de Jesus Cristo. Acccctualmente isso não acontece.  As discotecas estão abertas e os bares da poncha e shots estão cheios. As 16 horar realiza-se a procissão do Enterro do Senhor.
O sábado de Aleluia, com o acender da vela pascal e o destapar das imagens e o repicar das campainhas, começava antes da meia-noite à entrada da porta principal da Igreja.
O Domingo de Páscoa era considerado o dia mais importante das comemorações religiosas, como as procissões e a ida à missa. Isto além das refeições servidas em casa de familiares e partilhadas por todos.
O prato típico era o cabrito assado. Nunca faltava um bom vinho ou laranjada para os mais novos.
Hoje esse convívio (almoço de Páscoa) é nos restaurantes.
Boa Páscoa a todos. Como dizem os hebreus, Seder de Pessach, Shalom!