Supremo “retira” 28 mil euros a polícia atropelado em operação STOP na Eira do Serrado

Em junho de 2012 um agente da PSP da esquadra de Câmara de Lobos, então com 36 anos de idade, foi atropelado por um motociclo, numa operação STOP, por volta das 20 horas, na zona da Eira do Serrado.

Uma das pernas, que ficou presa no rodado da motorizada conduzida por um indivíduo sem carta de condução, sofreu esfacelamentos e esteve em risco de amputação.

O agente principal da PSP, pai de dois filhos, na altura um de sete anos e outro com poucos meses de vida, sofreu múltiplas fracturas pelo corpo, algumas expostas.

Polícia desde 1996, exerceu sempre funções na esquadra de Câmara de Lobos, concelho onde reside. Sexta-feira era mais um dia de trabalho. Ele e outros agentes montaram uma operação de fiscalização nas imediações da entrada do túnel do Curral das Freiras, quando, cerca das 20 horas, um motociclista de 24 anos desrespeitou o sinal de paragem.

O primeiro agente, atirou-se e conseguiu escapar ao embate. Um segundo agente fez o mesmo, mas a vítima atropelada ter-se-á atirado para o lado errado, e foi colhido pela motorizada.

O condutor foi projectado, mas o agente ficou preso na mota, acabando por ser arrastado mais de uma centena de metros. Bombeiros de Câmara de Lobos e EMIR estiveram no local, e condutor, que escapou praticamente ileso, foi detido.

O acidente de viação foi qualificado como ocorrido em serviço. Foi reconhecido ao agente uma IPP de 55%.

Aquando da alta clínica, a Junta Superior de Saúde pronunciou-se no sentido de serem apenas atribuídos ao agente serviços de natureza não operacional.

O agente foi colocado nos serviços internos, onde passou a exercer funções administrativas, “trabalho de secretária”.

Acontece que, antes de sofrer o acidente, o agente exercia funções de carácter operacional. E auferia suplementos de turno e de patrulha.

Constava ainda na escala de serviços remunerados.

No cálculo da pensão, a Caixa Geral de Aposentações (CGA) considerou a retribuição anual de 18.167,56€.

Entretanto, o agente recebeu da seguradora, pelo acidente, uma indemnização de 20.000,00€ a título de perda futura de suplementos de turno e de patrulha e ainda de 28.000,00€ a título de perda futura de “remunerados”.

Ora, foi justamente por esta última verba recebida que se travou uma batalha judicial em tribunal.

A CGA entendeu que, como o agente da PSP já tinha recebido os 28.000,00€ da Seguradora, teria de descontar esse valor à pensão que teria de pagar ao agente.

Mas o agente entendeu que não e colocou a CGA em tribunal.

A  26/9/2019, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (TAF/Funchal), julgou a ação procedente e, em consequência, anulou “o ato da Direção da Caixa Geral de Aposentações de 27 de março de 2019”, determinando que deve “o mesmo ser substituído por outro que aplique o fator de bonificação previsto na al. a), n.º 5 das instruções gerais da tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais constante do Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de outubro”, que se “considere no cálculo da pensão a remuneração auferida pelo Autor antes da redução prevista no artigo 19º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro e mantida no artigo 20º, nº 1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro” e se “atribua ao Autor o subsídio por situações de elevada incapacidade previsto no artigo 37º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro”.

Foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) quer pela CGA quer pelo agente da PSP. Sendo que o TCAS, a 07/10/2021, negou provimento ao recurso que a CGA interpôs da sentença (saneador-sentença) e concedeu provimento ao recurso interposto pelo agente da PSP, “revogando a sentença recorrida na parte em que decidiu manter o ato impugnado na parte em que foi determinado proceder ao desconto do montante indemnizatório de 28.000,00€ na pensão a pagar pela CGA”.

Ou seja, não pode haver descontos por parte da CGA dos 28 mil euros pagos pela seguradora pela perda futura de “remunerados” pois tal montante não releva para efeitos da dedução prevista no n.º 4 do art.º 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99, pois tais serviços não estão sujeitos a desconto para a CGA, pelo que, não relevando para o cálculo da pensão, também não têm de ser descontados no montante da pensão que é devida.

Desta feita, a CGA recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) alegando que o agente foi já indemnizado pelo terceiro responsável (Companhia de Seguros) pelo que a CGA não terá de pagar as prestações de que o mesmo seja beneficiário até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros. Caso contrário, estaríamos perante uma dupla indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes do mesmo evento danoso.

A 24 de fevereiro último, o STA deu razão à CGA, nessa parte.

“Assiste razão à Ré/Recorrente quando defende, nos presentes autos (tal como havia sido julgado pelo TAF/Funchal), que toda a indemnização paga pela Seguradora ao Autor deve ser deduzida no valor das prestações fixadas, nos termos previstos no art. 46º nº 4 do DL nº 503/99, uma vez que toda ela (no montante de 48.000€) respeita a compensação por danos patrimoniais futuros, que a prestação fixada ao Autor, a cargo da CGA, também se destina a compensar”, revela o acórdão.

“Se o sinistrado recebeu de terceiro responsável (seguradora) indemnização pela perda de ganhos por “serviços remunerados” futuros que deixou de poder efetuar, a Caixa Geral de Aposentações deve deduzir o respetivo montante à prestação fixada pela aplicação do regime de reparação de acidentes em serviço, nos termos impostos pelo nº 4 do art. 46º do DL nº 503/99, de 20/11, uma vez que esta prestação já se destina a compensar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente – cfr. art. 4º nº 4 b) do mesmo DL nº 503/99”, sumaria o acórdão.

Certo é que “um agente da PSP que exercia funções operacionais e que, em consequência de lesões sofridas em acidente em serviço, que lhe determinaram uma IPP de 55%, passou a poder apenas desempenhar funções administrativas, de secretaria, tem direito a que lhe seja aplicado o fator de bonificação previsto na alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI (Tabela Nacional de Incapacidades) constante do DL nº 352/2007, de 23/10, por não ser reconvertível em relação ao seu posto de trabalho (cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 10/2014, de 28/5/2014, in DR 1ª Série de 30/6/2014). Decorrente dessa bonificação, tem direito à atribuição do subsídio de elevada incapacidade permanente prevista no art. 37º do DL nº 503/99, de 20/11 para os sinistrados cuja incapacidade permanente, absoluta ou parcial, implique uma redução na capacidade geral de ganho igual ou superior a 70%.”.