Crónica: Aeroporto de Las Palmas parecia o festival “Woodstock”

Rui Marote
Após cerca de dois anos “preso” na ilha, os meus projectos de viagens distantes alteravam-se constantemente, consoante a evolução da pandemia. Os cancelamentos eram um após o outro. Bem diz o ditado, não deixes para amanhã o que podes fazer hoje. A vida é um sopro, fazer é hoje e agora…
Sou um privilegiado e dou graças a Deus porque viajei nas alturas certas. É um bem que ninguém me tira. Como diz a letra de uma canção “caixão não tem  gaveta” para guardar nada…
Mas de facto não é fácil viajar nos tempos que correm. Cheguei a pensar que neste interregno toda a minha experiência nómada acabou num “delete”, um autêntico apagão… Tudo mudou. Quem não souber dominar um telemóvel fica em casa. Tudo está controlado, até o numero do assento no avião já se recebe com antecedência, para que se possa preencher o critério “Safe” de entrada para o país para onde se viaja. A vacina é uma prevenção, mas pouco ou nada vale, nem pedem, agora um teste PCR é a condição sine qua non…
Resolvi”testar” como corriam as coisas e os condicionalismos, com uma viagem modesta, saindo de uma ilha para outra ilha. Os madeirenses gostam de ver o mar e Canárias foi o quintal da Madeira durante muitos anos, destino preferido de férias. Mas a razão principal da viagem era dar um salto a La Palma, numa operação-relâmpago para ver o vulcão Cumbre Vieja.
Porém, missão abortada: as viagens para Santa Cruz de La Palma estão superlotadas e o regresso é uma incógnita; o aeroporto encerra de uma hora para a outra. Regressar de ferry é um massacre: 17 horas e sem direito a uma “butaca” para descansar, porque estão sempre esgotadas. Tive pena, porque esperava dar aos leitores do FN umas reportagens especiais.
Restou aproveitar o sol de Las Canteras, não vendo TV nem lendo jornais para desintoxicação Sempre com as devidas precauções, andei onde quis e nunca em “bolha”, porque geralmente as mesmas rebentam…
Não podia, no entanto, regressar de mãos totalmente vazias, e no aeroporto de Las Palmas saquei umas fotos para elucidação da azáfama na gare. Na pista sete aviões da Tui, quatro da Condor, um da British Airways, um da Noruega, e os aviões da Binter. Parecia um autêntico “Woodstock”, as pessoas em fila, coladas umas às outras. As medidas profilácticas ali não funcionavam. Excepção era a máscara, reinando o bom senso no seu uso. Durante o voo da Binter com destino ao Aeroporto Cristiano Ronaldo, foi anunciado que, devido à turbulência, não serviriam o “snack”. Acontece que essa anomalia atmosférica não passou de falso alarme. Novo aviso, para anunciar que o lanche afinal seria entregue… em bolsas.
Este foi o meu primeiro baptismo aéreo de “takeaway”. As hospedeiras entregavam o “snack” em bolsas de papel com logótipo da companhia, a refeição que teríamos a bordo para levar para casa. E era expressamente proibido comer a bordo.
Assistimos uma cena diabólica: um septuagenário não resistiu, acometido de uma “ânsia”  incontrolável, e começou a saciar-se da sanduíche de atum. Logo foi, porém, impedido de matar a fome pelas hospedeiras de cabine. Seguiu-se um curioso diálogo luso-espanhol com o português a recusar levar comida para casa. Tudo muda mesmo. Já não basta o Covid-19…