1. Em Novembro de 2019, a editora Tinta da China lançou no nosso país o livro “A Terra Inabitável” (com o subtítulo “Como vai ser a Vida pós-Aquecimento Global”). O autor, David Wallace-Wells, é um prestigiado jornalista que há décadas recolhe histórias sobre alterações climáticas. Formado nas universidades de Chicago e Brown, é editor e cronista da revista New York e escreve também para o jornal britânico The Guardian.
Ao longo de 369 páginas, o autor aponta, com base nos estudos até então conhecidos, para a transformação em curso do nosso planeta: o fim do mundo tal como o conhecemos.
A 23 de Dezembro desse ano, Wallace concedeu uma entrevista ao jornal “Público” em que sintetizava o que nos espera, nestes termos: “os economistas pensam que, no final deste século, podemos ter um PIB global 30% menor do que teríamos sem as alterações climáticas. Poderemos ter 600 biliões de dólares em danos causados pelo clima a nível global, o que é o dobro do que existe hoje. Também podemos ter o dobro das guerras, metade dos alimentos disponíveis e centenas de milhões de refugiados climáticos. Tudo o que temos garantido na vida moderna será colocado em causa pelas alterações climáticas”. Noutro passo, o citado jornalista afirmou: “o século XXI será transformado e definido pelas alterações climáticas, mais do que por qualquer outra força. Não interessa onde se esteja, quão rico se seja, ou o país em que se viva, a vida no planeta irá ser mudada e definida pelas perturbações do clima”.
Perto de dois anos depois, quem eventualmente ainda pudesse considerar alarmista o cenário traçado, voltou a ser confrontado com o mais recente relatório do IPCC (sigla inglesa de Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) que mantém tudo o que tem vindo a ser repetido até à exaustão sobre a forma como a humanidade está a influenciar o clima e a tornar a sua própria vida no planeta cada vez mais difícil. Com efeito, as projecções delineadas continuam a ser de aumento da temperatura global e de outros fenómenos a ela associados – mais secas, derretimento das camadas de gelo, chuvas intensas em algumas regiões e diminuição noutras, aumento do nível do mar -, sendo por demais evidente que está tudo a acontecer mais depressa e com mais intensidade do que o previsto.
No entanto, como enfatizou a responsável pelo Programa Ambiental das Nações Unidas, Inger Andersen: “Há mais de três décadas que nos avisam sobre os perigos de deixar o planeta aquecer. O mundo ouviu, mas não agiu com a força necessária. Como resultado, ninguém está seguro”.
Ricardo Garcia, jornalista que há muitos anos acompanha as questões ambientais, resumiu, no jornal “Público”, “a dimensão anómala do que está a acontecer”: “A última vez que a atmosfera terrestre teve tanto dióxido de carbono foi há dois milhões de anos, muito antes de surgir o Homo sapiens. A temperatura global na última década só encontra paralelo em médias de há 125 mil anos. O nível do mar tem vindo a subir a uma escala sem precedentes nos últimos 3000 anos. Os glaciares estão a encolher como nunca em pelo menos 2000 anos e a capa de gelo sobre o Ártico é a menor em pelo menos 1000 anos”.
Mas, tal como a citada responsável das Nações Unidas, Ricardo Garcia mostra-se céptico sobre a resposta que importa dar. E isto porque a trágica pandemia que afecta o mundo representou “uma quebra de 7% nas emissões – mais ou menos o que seria necessário, todos os anos, até 2030, para assegurar o objectivo dos 1,5 graus Celsius, ou seja, o equivalente a uma pandemia por ano”.
Mas, não nos iludamos. Como evidencia Manuel Carvalho em editorial no “Público” do passado dia 10 “a ameaça do aquecimento global vai exigir uma daquelas revoluções que raramente acontecem sem conflito” porque “exige dos políticos, dos gestores e de todos nós uma mudança de hábitos que pode estar para lá do que é possível (…) o recuo nas emissões de CO2 ou de metano implica um recuo civiiizacional. Implica que se consuma menos carne, que se viaje menos, que se comprem menos televisões ou computadores. Implica uma travagem no modelo de economia e de sociedade voltado para a riqueza e o crescimento contínuo”.
- Em Maio passado, o desemprego juvenil (dos 16 aos 24 anos) na zona euro estava nos 17,5% (contra 7,9% no desemprego total). Em Portugal, a diferença é ainda maior:23% contra 6,4%. Uma dramática realidade que a pandemia agravou. Basta dizer que cerca de 60 mil jovens entre os 16 e os 24 anos perderam o emprego na pandemia, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística.
Por outro lado, segundo os autores do relatório “Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal”, apresentado pela Fundação José Neves “uma parte substancial dos jovens com ensino superior não está empregada (19,4%) ou está a trabalhar em ocupações que não exigem este nível de ensino (15%), um indicador de que as competências que adquirem não encontram valorização adequada”. Para cúmulo, na última década, entre 2010 e 2018, foram os jovens licenciados, entre os 24 e os 35 anos, os que mais viram diminuir os ganhos salariais. Não menos preocupante é saber-se que em 2020, Portugal registou um dos maiores aumentos da União Europeia na percentagem de jovens entre os 20 e os 34 anos que nem estão empregados nem em educação ou formação – os jovens “nem-nem”.
Em crónica publicada no “DN” de Lisboa, a 10 de Julho p.p., intitulada “A juventude no declive do futuro”, o professor universitário Viriato Soromenho-Marques considerou que “a questão da juventude e do que fazer com ela ameaça tornar-se num intratável nó górdio”, na medida em que, ao contrário do passado, “o futuro é hoje invisível, porque o nosso presente é um imenso planalto que ameaça desaguar num declive, cuja inclinação parece ser cada vez mais abrupta. É nessa planura inclinada para o abismo que a juventude mundial habita, com diversidade, mas sobretudo com convergência”.
Em França, o presidente francês anunciou a 12 de Julho último um “revenu d`engagement” para jovens dos 16 aos 25 anos sem emprego, sem estudos e sem formação que pode ir até cerca de 500 euros mensais. Uma espécie de contrato que prescreve condições, sob a forma de deveres, aos beneficiários desse rendimento: têm de fazer um percurso de “inserção” na sociedade do trabalho.
No discurso em que anunciou a medida, Emmanuel Macron disse que ela se fundava numa lógica de instauração de “um novo pacto entre as gerações”. Uma tentativa, como sublinhou no “Público”, no passado dia 16 de Julho, o jornalista António Guerreiro, num texto que titulou “Os Pais Bastardos”, de “reconstruir um pacto geracional já quebrado ou em vias de se quebrar”, uma vez que “não é novidade para ninguém que está instalado desde há algum tempo, por todo o lado, e não apenas em França, um mal-estar intergeracional que está a acentuar-se com a pandemia e à mínima oportunidade pode transformar-se num acerto de contas entre jovens e velhos”. A razão é por demais evidente: “a geração dos filhos vive pior do que a dos pais, e até a dos pais já vive pior do que a dos avós”. Ou seja, “esta grande regressão arruina qualquer pacto”.
Num curto comentário à citada crónica de Soromenho-Marques, Guerreiro prognosticou: “um dia destes, os presumidos reconstrutores de pactos intergeracionais nem se apercebem de que estão mas é a escrever as suas memórias de além-túmulo”.
* por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.
Post-Scriptum: 1) Candidaturas: Do processo de apresentação das diferentes candidaturas autárquicas na Região há dois factos incontornáveis – a ausência de candidaturas próprias do Bloco de Esquerda e a circunstância da lista da coligação PSD- CDS para a Assembleia Municipal do Funchal colocar um elemento indicado pelo RIR (!) à frente do partido sediado na Rua da Mouraria. Sinal de que quer o BE quer o CDS poderão estar a caminhar se não para o desaparecimento pelo menos para a irrelevância política. Na verdade, a perda de identidade que os dois citados partidos dão mostras normalmente paga-se bem caro!
2) Retrato: O dossier que o “DN” local tem vindo a publicar sobre o modo como as onze Câmaras Municipais geriram os dinheiros públicos ao longo dos seus mandatos revela alguns traços comuns que não abonam a favor de um poder local transparente: abuso do ajuste directo em detrimento do concurso público e sinais de promiscuidade e compadrio com correligionários e afins.
3) Alapados: A limitação de mandatos introduzida no plano político refreou fenómenos de caciquismo decorrentes da eternização no poder do mesmo personagem. Mas há outros sectores da sociedade onde há quem se comporte como se houvesse quem fosse insubstituível. Não sendo uma especificidade unicamente regional, há por cá exemplos de alapados que saltam à vista. Um deles é o presidente da Associação de Futebol da Madeira que, pelos vistos, tudo faz para não ceder o lugar. Outros são, por exemplo, os eternos presidentes da Assicom e do Sindicato dos Operários da Construção Civil.