Crónica (da) desinteressante

Sou uma aproveitadora. Uso descaradamente os meus amigos como fonte de inspiração para escrevinhar umas coisas por aqui.

Quando não me inspiro no que leio, no que oiço, no que penso, são eles que sempre me vão dando uma abébia. Felizmente tenho amigos interessantes e interessados nas mais variadas coisas.

Mas nem eles me salvaram desta vez.

Este fim de semana fiz duas coisas que não fazia desde Dezembro, fui a um bar com dois amigos e fui jantar com outros dois.

Sair de casa quase a anoitecer. Sentar-me de esplanada à noite.

Jantar. Boa comida e boa bebida num restaurante excecional e cujo nome assenta perfeitamente numa cliente com Mau Feitio como eu.

O que isto me soube. Mas para o efeito de inspiração, completamente infrutífero.

Não que as conversas não fossem boas. Foram ótimas. Mas sem potenciais temas para desenvolver, apesar das minhas descaradas tentativas.

Revejo, em desespero, o que falámos.

Das vacinas, de quem já foi vacinado entre os familiares, de quem levou qual, dos efeitos. Das cem mil vacinas já administradas na Madeira, da luz ao fundo do túnel e de como queremos todos dar o braço ao manifesto. Do arquipélago das Seychelles, que apesar de ter quase setenta por cento da população vacinada, teve de voltar a encerrar após um surto. De como a luz está a tremelicar ao fundo do túnel, à custa disso.

De como, no geral, a gestão da pandemia está a ser bem feita na Madeira. Agiu-se com a antecipação e preparação possíveis e com medidas proporcionais que nos têm permitido viver uma vida que é o mais próximo da normalidade possível.

Gosto sempre de ouvir opiniões sobre este assunto, principalmente de quem não é necessariamente do partido que suporta o Governo Regional, como eu sou. Satisfaz-me que, na maioria dos casos, são coincidentes com a minha. Não que ache que não consiga ser imparcial ou ter espírito crítico, que tenho. Mas só para ter a certeza que, a minha, não é uma opinião enviesada.

Da bebé que morreu deixada no carro. Sobre isso não consegui falar. Nem ouvir.

Dos migrantes de Odemira. E de todas as Odemiras por esse país fora. Das condições em que vivem há muito tempo, de como todos sabiam, mas ninguém quis verdadeiramente saber. Da exploração, do tráfico de pessoas, das condições sub-humanas de vida a que estão sujeitos. De como todos falhámos, enquanto sociedade, a estas pessoas. Hipotecámos a dignidade humana em troca de produtos agrícolas.

Da consequente requisição civil do Zmar, que eu não sabia que existia, para isolamento de alguns destes migrantes. Parece elementar que a solidariedade, a empatia e a ajuda a estes seres desvalidos abandonados à sua sorte é imperativo moral.

O que já não é tão elementar é a solução encontrada de requisitar propriedade privada. Nem o modo como o Governo prepotentemente o faz, numa atitude quase Chavista do quero-posso-e-mando. Não entendo esta medida, sem que todas as outras opções possíveis estivessem esgotadas.

Basta imaginar que, por exemplo, na nossa única cerca sanitária, o Governo Regional, em vez de chegar a entendimento com os donos dos hotéis para alojar algumas pessoas, requisitasse civilmente casas particulares. Era um belo serviço, não era?

Entretanto, parece que só as casas é que são propriedade privada, como uma espécie de barracas amovíveis, no que é afinal um parque de campismo, com uma licença que está, pelos vistos, caducada.  O Zmar parece que está implantado, para mais, numa reserva ecológica, construído ao abrigo de um programa dos tempos de Sócrates, com uma ajudinha da família Espírito Santo.

Imbróglios que são o triste espelho deste nosso país.

Está o caso a ser decidido em tribunal – e bem – depois de providência cautelar requerida pelos proprietários, que podem até não o ser. Entretanto, são os mesmos desvalidos deixados à sua sorte que haviam sido ali realojados, que são novamente enxotados. Hipoteca-se a dignidade em troca do braço de ferro.

Depois falámos de coisas mais leves. Porque os espíritos assim o exigiam. Porque a cerveja na sexta era boa, a de Puro Malte, o Mojito no sábado era perfeito e o vinho estava à temperatura ideal.

Falámos de séries da Netflix, mesmo daquelas que não podemos admitir que gostamos, como o Bridgerton, que já vi três vezes. O meu guilty pleasure. Do que se passou nas nossas vidas, entretanto, pondo a conversa em dia. Eu, claro, tive de falar do macramé que acabei e do bordado que estou a fazer. A maluca das manualidades.

E de viagens. Falámos muito de viagens. Gosto de falar delas quase tanto como de as fazer.

Há uns tempos dizia-me um amigo, um bem interessante por sinal, que não gostava de viajar. Que a viagem mais importante que fazemos na vida é a interior e que não precisamos de sair de nós mesmos para a experienciar.

As viagens, a mim, enriquecem-me, dão-me mundo, abrem-me horizontes. São o interregno dum contínuo que, embora abençoado, é mais um menos uma repetição do dia anterior.

Não sei bem o que fiz no mês passado, mas sei de cor o itinerário das viagens de carro que fiz, os sítios por que passei, as pessoas com quem falei.

Não me lembro do que jantei na semana passada, mas nunca me esquecerei o sabor e a textura daquele gelado na praça de Sienna.

O que vi, ouvi, aprendi e comi a viajar ficam-me gravados de tal forma que penso que o meu cérebro fez um ficheiro especial para guardar a informação como privilegiada no meu disco rígido.

Falámos das saudades que temos de nos metermos num avião, apesar de ter de me drogar com Xanax para o fazer. De sermos livres para ir, para descobrir.

Revivemos viagens e experiências, naquela forma especial de as manter vivas. E fizemos planos, muitos planos, que me deram tanto alento e esperança.

E aqui estou eu.

Depois de boa comida, boa bebida, boas conversas, boas gargalhadas, bons planos com bons amigos, feliz da vida.

Mas ideias para trazer para aqui, nada.

Das duas umas, ou afinal preciso de amigos mais interessantes, ou preciso eu de o ser.

Interessantemente, inclino-me para a segunda hipótese.