Acordos de geminação nunca passam do papel

“Sonhar é Fácil” foi o nome de um filme português datado de 1951, que vi no Cine Parque em tempos, com Vasco Santana e António Silva. Lembrei-me do título porque fiquei surpreendido com as declarações de Rui Abreu, director regional das Comunidades, ao anunciar  em Janeiro do  próximo ano as “comemorações” de 15 anos de geminação com a ilha de Jeju, na Coreia do Sul.
Conheço Jeju, que visitei em 6 de Abril de 2008: trata-se de uma ilha de origem vulcânica com umas características semelhantes  com a Madeira, e uma população de 700 mil habitantes. Um ponto turístico para coreanos e japoneses.
Ilha de sonho para noivos da Coreia do Sul, recebeu os Jogos Olímpicos de Inverno e é também conhecida como a “Ilha dos Deuses”. As suas maiores indústrias são a pesca e a agricultura.
Em 2017 o embaixador da Coreia do Sul visitou a Madeira e nós fomos atrás do “conto do vigário”. Quando a esmola é muita o pobre assusta-se. Prometia-se uma ligação directa entre Portugal e a Coreia, e mesmo a importação de Vinho da Madeira para a Coreia. Esta parceria decorria do acordo de geminação que a Madeira celebrou com a ilha de Jeju.
Jeju, na Coreia do Sul (fotos Rui Marote)
Não conseguimos sequer resolver os nossos assuntos com os países de emigração portuguesa: vejamos, faz 10 anos a 9 de Abril que a TAP abandonou a linha Joanesburgo-Lisboa, deixando os nossos compatriotas a viajar em aviões de bandeira estrangeira. Quanto à Venezuela, a ligação directa Caracas-Madeira já era… Recordo quando da inauguração do Aeroporto da Madeira, tivemos aviões em directo da África do Sul, da América, da Venezuela e do Brasil. Um sonho de “barriga cheia”, já temos pista… Já temos gare…agora sim estamos preparados para os aviões de longo curso. Uma promessa que só durou um dia.
A TAP troca o destino Madeira pela Estónia, Panamá, Manaus, Mali, Argélia e outras desgraças que abortou. A emigração teria muito a falar, em especial da África do Sul, país que visitei 27 vezes. Ficamos por aqui…
Geminações de cidades são designações de um conceito que pretende criar relações protocolares ao nível económico e cultural, criando laços de cooperação.
O Funchal concentra metade dos 26 acordos de irmandade assinados com a Madeira, quatro concelhos não têm nenhum.
Cooperação, intercâmbio, colaboração, troca de experiências e amizade são expressões vulgarizadas nos acordos de geminação, que têm sido assinados pelos nossos concelhos, cidades e até a própria Região Autónoma  da Madeira.
A RAM tem menos acordos celebrados do que o Funchal: tem quatro acordos assinados. O último foi precisamente com a ilha de Jeju. Na altura, Alberto João Jardim disse que gostaria que o acordo não ficasse apenas no papel. Rui Abreu descobre a “pólvora”, uma efeméride que no próximo ano faz 15 anos, a 18 de Janeiro e ficará marcada pelo lançamento de um site comum às duas regiões. A Madeira terá nome num dos caminhos florestais, e vice-versa Jeju (já agora a estrada das Ginjas).
A cidade do Funchal já assinou 12 protocolos de irmandade com os Estados Unidos (Oakland na Califórnia, Honolulu e Wailuki Maui, no Hawai e ainda New Bedford, Massachusetts); Austrália (Marrickville e Fremantle), África do Sul (Cape Town) Brasil (Santos) Alemanha (Leichlingen) Zâmbia (Livingstone) Israel (Herzliya) e Cabo Verde  (Praia).
Com quatro geminações a Região Autónoma da Madeira abriu as portas a Vale de Aosta (Itália), a ilha britânica de Jersey, Província do Cabo oriental da África do Sul, e Jeju, Coreia do Sul. Em preparação estão os acordos com Nueva Esparta (Isla Margarita, Venezuela) e Crimeia (Ucrânia).
Machico surge a seguir no ranking, com os açorianos Lages, Ilha do Pico e Povoação (ilha de São Miguel).
O Porto Santo tem duas geminações, com Velas, na Ilha de São Jorge, Açores e a Ilha Maio em Cabo Verde, além de Bora Bora, no Taiti. Santa Cruz tem com São Vicente-Cabo Verde; Ribeira Brava com São Nicolau-Cabo Verde; São Vicente com Nordeste, Açores; Ponta de Sol com a Ribeira Grande, Cabo Verde; Câmara de Lobos, Calheta, Santana e Porto Moniz não são casadas com ninguém.
Há 45 anos que faço essas cerimónias de geminação.
Conclusões: apontem-me um benefício dessas geminações em trocas comerciais, culturais ou turísticas: “zero”.
As cimeiras com Canárias e Açores chegaram a ter resultados. Desde há muito que desapareceram, no entanto. Cada um nas suas “casas”. Recordo a primeira cimeira Açores -Madeira. A delegação madeirense a Ponta Delgada foi chefiada pelo engº Ornelas Camacho. Era então presidente dos Açores Mota Amaral. Alberto João Jardim acompanhou a delegação como presidente do PPD-Madeira para conversações com o líder açoriano.
Mota Amaral e Alberto João estiveram sentados num banco isolado do jardim Bruno do Canto em estreita cavaqueira.
Quanto à cimeira, traçou o destino do primeiro presidente do Governo, grande técnico mas sem perfil político. Lembro que durante o encontro, AJJ, que assistia, foi obrigado a tomar as rédeas da delegação. Passados dois meses, deixava então de ser deputado e assumia o poder durante mais de 36 anos.
As cimeiras Madeira-Canárias-Madeira tiveram momentos históricos embora os nossos “hermanos” fossem socialistas. Tudo isso acabou…
Por último, uma referencia ao ex-secretário de Estado das Comunidades, Correia de Jesus: numa altura que não havia Internet, nem a língua portuguesa  na diáspora, enviaram-se livros, professores e mais tarde a telescola para as comunidades.
O governo de AJJ instalou uma biblioteca no Curaçau e colocámos um professor bibliotecário, coordenado pela dra. Margarida Silva. Hoje nem sabemos se as centenas de livros ainda existem.
Senhor director regional Rui Abreu, não se preocupe em fazer reuniões com Jeju e um site.
Sugerimos reuniões de dois em dois meses  com os conselheiros da África do Sul, Venezuela, Brasil e Austrália, Há plataformas digitais para reunir em separado com esses países, inteirando-se dos problemas dos nossos compatriotas.
Por ultimo uma “confissão”: numa das visitas há mais de 25 anos do governo da Madeira à Africa do Sul, em plena recepção do Hotel Carlton, sugeri ao presidente do Governo a abertura de um escritório da Madeira em Joanesburgo. AJJ interrogava-me: para quê? Respondi: Para resolver e registar os problemas dos nossos conterrâneos, o governo enviava um advogado da administração pública por um período de três meses, que recebia essas reclamações e encaminhava para os diversos departamentos na Madeira, recorrendo a fax e telex meios usados na época. Assim os emigrantes deixavam de ter de se deslocar à Madeira, da qual muitas vezes regressavam da mesma maneira que chegavam. Perguntou-me o então presidente do GR: Porquê três meses? Expliquei: assim não teriam a hipótese de desenvolverem “tentações”. A ideia foi recebida com risos: “Ah! Ah!…”
Sentença final: “Marote, não somos um país nem temos embaixadas”. Está bem… Relações eficazes com as nossas próprias comunidades, para não falar com as cidades de países estrangeiros com quem nos geminamos: Até hoje, nada…