A Europa está à beira do abismo, estamos a assistir ao princípio da desagregação, alerta Nuno Teixeira, eurodeputado entre 2009 e 2014

“A representação oficialmente assumida não é um contexto novo, mas é um contexto perigoso da forma como foi colocada, uma vez que daqui a cinco anos a Madeira pode ter um candidato em posição não elegível”. Foto Rui Marote

Nuno Teixeira, advogado, militante social democrata, foi eurodeputado entre 2009 e 2014. Nesse mandato, foi o único representante da Região no Parlamento Europeu. Com surpresa entrou, com menos surpresa saiu. Apanhou o 20 de fevereiro sete meses depois de ter ido para Bruxelas, é um dos dossiers marcantes do seu percurso na Europa, era preciso reunir apoios suficientemente fortes para uma situação de calamidade que acabara de atingir a Região. Ainda guarda a resolução, assinada pelos 22 deputados portugueses, fizeram questão de assinar. Está num quadro, no gabinete onde exerce a sua profissão, fica para as histórias, a sua e a da Região.

Internamente, no PSD-Madeira, é membro do Conselho Regional e, de resto, militante de base. Esteve do outro lado da barricada, do lado de Cunha e Silva, na luta pela liderança interna. Perdeu. Miguel Albuquerque saiu vencedor. É leal ao partido, “houve escolhas de outras pessoas, uma renovação”, diz que “não faz sentido que as pessoas estejam sempre com aquelas que estão no poder. Há pessoas que estão sempre com os líderes mesmo que haja mudança. Mas eu entendo que não tenho que estar sempre agarrado à primeira linha do partido”.

Foi, assim, como que um voltar a outras vidas, a pessoal e a profissional, esta coisa da política é absorvente e muitos tendem a esquecer o resto. Afirma, com a certeza de quem faz o que gosta e de quem tomou a decisão certa, que “não há nada de interesse público na minha vida privada”. Um dia, quem sabe, poderá voltar à política ativa. Sem pressas. “Regressarei se entender que há um desafio que seja aliciante o suficiente para o fazer”.

Oitavo lugar de 2019 leva a recusa de Sérgio e a convite inesperado

Foi surpreendente a “entrada” europeia. Estava numa comissão política, Jardim já contou isso em livro. Depois de se saber que o lugar destinado à Madeira era o oitavo, o próprio presidente do Governo tinha revelado aos jornalistas que o representante do PSD-M ia em 8º lugar, surgem informações dando conta que o candidato Sérgio Marques não estaria na disponibilidade de aceitar esse lugar, que naquele contexto previsivelmente não seria ilegível. Nuno Teixeira lembra-se de ter pensado que a comissão política prometia ser quente. E mais quente ficou quando o presidente recebeu um telefonema de Sérgio Marques, “levantou-se, foi para o fundo da sala, e a dado momento da conversa atira o telemóvel ao chão e regressa para se sentar na sua cadeira habitual. Foi o silêncio sepulcral, eu decidi voltar ao meu lugar e quando passei por ele apontou-me o dedo “quer ir para o Parlamento Europeu?”. A minha primeira reação foi responder “pode ser”, considerando que estava a brincar, achei que não era a sério. Depois percebi que era mesmo quando o Dr. Alberto João manda telefonar à Dra Ferreira Leite para dizer que o candidato do PSD-Madeira era outro, eu. Pediu-me o nome completo e fiquei parado. Nem tive tempo de refletir bem, tinha que falar com a família. Mais tarde, liguei à minha mãe e ela própria pensava que eu estava a brincar, desvalorizou e despachou-me ao telefone”.

Do oitavo para o quinto

Nuno Teixeira diz que, depois, entendeu as razões de Jardim para aquela decisão imediata. Primeiro, “não queria dar azo a uma discussão prolongada, pensou que se levasse mais tempo para arranjar um candidato, toda a gente ia querer. Depois, a escolha teve a ver com o facto de eu ser adjunto do João Cunha e Silva na vice presidência, que tinha o pelouro dos Assuntos Europeus, eu seguia o Comité das Regiões, onde ambos tinham assento, eu era suplente do presidente no Conselho da Europa, além da formação que tinha em direito comunitário”.

Acontece que, de repente, do oitavo para o quinto foi uma questão de pouco tempo. “Os Açores ficaram com o 10º lugar, então para o Duarte Freitas, mas com a lei da paridade, o PSD disse que, sendo homem era o 10º, mas sendo mulher podia ir num outro lugar melhor. Foi o que aconteceu, o Duarte Freitas abdicou e permitiu a candidatura de Maria do Céu Patrão Neves, que entrou em 6º. Como nesse ano, era a Madeira que ficaria com melhor lugar, relativamente aos Açores, a Dra. Ferreira Leite passa o candidato da Madeira do 8º para 5º”.

Ingenuidade” mais forte do que a leitura política à época

E quando isto se passa, Nuno Teixeira teve uma reação imediata. Antes de avançar na explicação, faz um parêntesis para dizer, assim à distância: “Ingénuo como era e se calhar com pouca aptidão para a política, como se vê na atualidade”. Com essa “ingenuidade”, mais forte do que a leitura política já dava para perceber, até para quem estava por fora mas muito por dentro daquilo que era Jardim, Nuno Teixeira estava bem por dentro, à época, mas pensou que passando para quinto, se calhar voltava tudo à primeira forma e deixava ao partido a possibilidade de, se entendesse, recandidatar Sérgio Marques, como estava previsto antes, que assim já poderia voltar a ser o candidato. Não resultou, primeiro falou com Filipe Malheiro e depois recebeu um “nem pensar” de Jardim.

Quando sai, em 2014, as razões que levaram a uma não recandidatura foram as mesmas aplicadas em 2009 aos Açores, que neste caso, cinco anos depois, iam à frente da Madeira. Além das dificuldades de se tratar de uma coligação PSD/CDS. “Tive sempre a noção que iria ser difícil um lugar elegível para um homem. Acabou por ir a Cláudia”. E explica que “nesta questão das feituras das listas, há sempre uma forte pressão das distritais que representam muito para o partido em termos de votos e querem ver refletido esse peso na representatividade das listas”.

Representante da Madeira e Açores na Europa é contexto perigoso

Falando do seu posicionamento interno no PSD-M, diz que “houve escolhas de outras pessoas, uma renovação”, afirma que “não faz sentido que as pessoas estejam sempre com aquelas que estão no poder”. Foto Rui Marote

Não está surpreendido com as declarações de Rui Rio, quando este avança com a solução de um representante das regiões ultraperiféricas portuguesas na lista do partido, de forma alternada. Este ano a Madeira, provavelmente daqui a cinco anos os Açores. “Enquanto eu lá estive, sempre ouvi falar nessa possibilidade. Nunca ninguém tinha colocado esta posição oficialmente, mas julgo que este momento também é específico, uma vez que tudo aponta, na melhor das hipóteses, para a eleição de seis eurodeputados, fala-se em alguma recuperação, pode ir aos sete, mas também se fala nas piores previsões, que vão aos cinco. A representação oficialmente assumida não é um contexto novo, mas é um contexto perigoso da forma como foi colocada, uma vez que daqui a cinco anos a Madeira pode ter um candidato em posição não elegível. É preocupante para a Madeira, não estamos a falar de uma simples região do País, trata-se de uma Região Autónoma, com caraterísticas que mais nenhuma região tem. E isso é preciso salvaguardar”.

De 2009 para 2014 resultados do PSD-M vieram para metade

Alerta para a necessidade de termos uma noção da realidade. Traz para cima da mesa números aproximados. Recorda os cerca de 55 mil votos que o PSD Madeira registou nas europeias de 2009, em contraponto com os resultados obtidos em 2014, mas em coligação com o CDS, que totalizaram aproximadamente 27 mil. “Em 2009, tivemos os 55 mil do PSD e mais 7/8 mil do CDS, o que no conjunto perfazia cerca de 63 mil. Em 2014, os resultados desceram para metade. E tudo isto é importante ter em conta para o líder do partido, face às negociações com as distritais”.

Europa a descer pelo lado errado

Nuno Teixeira aborda a Europa de hoje com alguma dúvida no horizonte, para não dizer muitas dúvidas. “Acho que a Europa atingiu o cume da montanha e está a descer pelo lado errado. Se olharmos a trajetória europeia, tivemos uma fase inicial de alargamentos espaçados no tempo, mas a Europa foi concretizando os ideais dos fundadores de forma muito ponderada e refletida, o Mercado Interno, o Espaço Schengen, o euro com o simbolismo que encerra, juntando-se à liberdade de circulação das pessoas. Parecia que estávamos a caminhar para uma Europa federalista, uma espécie de Estados Unidos da Europa, todos os sinais iam nesse sentido. Só que depois, não foi isso que aconteceu e o percurso foi em sentido contrário, com o aparecimento de movimentos de algum nacionalismo exacerbado e de populismo. Houve uma encruzilhada. Ou era o federalismo ou a desintegração, que é o que eu acho que está a acontecer”.

Europa à beira do abismo

Guarda a resolução relacionada com os apoios ao 20 de fevereiro. Um marco importante do mandato de Nuno Teixeira na Europa. Foto Rui Marote

Os receios de fenómenos que envolvem situações de largo radicalismo não representam uma miragem. Antes pelo contrário, são visíveis, são efetivos. Nuno Teixeira dá vários exemplos, em França com o susto face à dimensão de Marine Le Pen, na Finlândia, na Hungria e a forma como o nacionalismo foi intensificado, ao ponto do senhor Orbán ter sido suspenso da sua família política europeia, o PPE. Além da Itália, Roménia, Polónia, Espanha. E o Reino Unido votou a saída. O que custava era o primeiro”. Por isso, diz que “a Europa está à beira do abismo, estamos a assistir ao começo da desagregação da União Europeia.

Realidade na composição do próximo Parlamento Europeu

O antigo eurodeputado está convencido que esta realidade deverá ser palpável “quando ficarmos a saber, na sequência das próximas eleições, qual será a composição do Parlamento, onde os partidos tradicionais, o PPE, os sociais e democratas e os liberais vão perder força e o bloco dos extremistas, que era contido, ganha um peso verdadeiramente assinalável”. Diz que a consequência imediata dessa realidade será a aprovação da próxima Comissão Europeia. “Este ano, pela primeira vez, poderá não ser tão simples a escolha do presidente da CE, que até agora era decidido entre as grandes famílias europeias”.