As “ondas” que o “ferry” faz

A operação assegurada pelo ARMAS, que durante algum tempo garantiu o transporte marítimo de passageiros entre a Região e o Continente, com saída do Funchal e chegada a Portimão, no Algarve, fez lançar, na sociedade madeirense, um dado novo em matéria de alternativa relativamente à forma como os madeirenses passavam a poder sair da Região, até então confinada ao transporte aéreo, por conta de um serviço público devidamente enquadrado na lei e obedecendo ao que está consagrado na Constituição no que toca ao direito que cabe ao Estado de garantir o princípio da continuidade territorial.

Digamos que o ARMAS veio trazer, à discussão, algo que parecia adormecido e, por via disso, provavelmente já ninguém pensaria possível que a Região disponibilizasse um serviço marítimo, cómodo, com um equilíbrio qualidade/preço, mesmo que para isso fosse necessário alargar o serviço público, o que parece natural numa linha que, à partida, poderia não ser rentável se estivesse em jogo, apenas, a estratégia comercial. No fundo, seria o mesmo princípio daquele observado para o transporte aéreo. São serviços alternativos, não parece que possam ser colocados num patamar opcional, do género, já temos um, podemos dispensar o outro. Não é assim que as coisas funcionam, a menos que estejamos perante um Estado que ainda vê a Região como um protetorado, com necessidade de por a mão em cima, para não dizer o pé, como a velha visão colonialista de outros tempos.

Mas é claro que, nesta questão do “ferry”, há muita coisa por explicar e não podemos ter uma visão parcelar, de responsabilização de um lado, de assacar à República todas as responsabilidades de ainda não ter sido concretizada uma promessa deste Governo Regional, para que o transporte seja garantido a todo o momento. No mínimo, existem aqui várias partes diretamente ligadas ao assunto, que também no mínimo, deviam dividir tudo aquilo que envolvesse custos do Estado e da Região, para ir ao encontro da componente empresarial, que nestes casos não poderia deixar de existir, compreensivelmente.

Temos assistido, neste domínio, como em alguns outros, a diversas posições públicas que elevam o clima de tensão entre governos, como forma de explicar à população as razões que levaram a este impasse, se ligadas exclusivamente à falta de abertura de Lisboa, se ligadas a uma certa inabilidade da Região em tratar o assunto, sabendo-se que nem seria necessário fazer um estudo para apurar que a ligação, como mera operação comercial, não daria o lucro suficiente para tornar apetecível a quem vê no serviço um negócio. Pedir apoio ao Estado, com base num estudo que dá a operação como inviável, é a mesma coisa que inviabilizar a operação antes mesmo do pedido sair do gabinete. Só se for para “empurrar com a barriga” e mandar a culpa exclusiva para outros lados. Além de não ser inteligente, não é correto, se bem que falar de correção em política, não vale muito a pena.

Neste contexto, a ministra do Mar chumbou sem reservas, aproveitando ou não o facto do estudo enviado pela Região já dizer, por antecipação, que era inviável a operação, mas chumbou como se a Madeira não fosse Portugal, fazendo “tábua rasa” da Constituição e dizendo claramente que os madeirenses já têm um bónus garantido, que é o transporte aéreo, não precisam de barco. Ponto final, sem discussão. Muito mau e a merecer uma reapreciação séria, decente, provavelmente com intervenção do primeiro-ministro António Costa e dos parceiros de entendimento parlamentar, PCP e BE, mas também com a necessidade de o Governo Regional repensar estratégias do género “não tenho nada a ver com isto”.

Já que falamos em partidos, temos que o PSD-Madeira emitiu há dias uma posição musculada sobre o assunto, como forma de transmitir a defesa dos interesses dos madeirenses, tentando esbater um pouco aquela ideia que vem sendo referida como a falta de cumprimento de uma promessa feita por este Governo Regional, com pompa e circunstância. O texto diz claramente que “o PSD-Madeira não vai deixar que os madeirenses sejam tratados como portugueses de segunda e que sejam “condenados” à falta de alternativas nas suas dsslocações dentro do seu país, ao contrário do que acontece com os seus compatriotas no restante território nacional”.

O partido considera que “a viabilidade de uma ligação marítima deste tipo não se pode medir por parâmetros económicos. Cabe, ao Estado Português, nas suas funções sociais e económicas, assegurar o cumprimento da continuidade territorial, na constribuição para o esbatimento das desigualdades e correções económicas e geográficas, de forma a garantir a mobilidade de todos os cidadãos…Para o PSD-M este objetivo deve ser conseguido através da consideração de interesse público por parte do Estado, de modo a inverter o modelo de incentivos públicos aos armadores, através de um concurso público internacional e de um caderno de encargos que assegure as compensações financeiras aos armadores desta linha marítima diretamente pelo Governo da República”.

O CDS/PP-Madeira, pela voz do líder regional, diz que o Governo Regional tratou este assunto do “ferry” de forma “atabalhoada”, primeiro consultando os armadores, com “uma imposição de condições” que afastou os potenciais interessados,e depois ao enviar para o Governo da República o estudo que considerava a operação inviável do ponto de vista financeiro”. Lopes da Fonseca diz que “o Governo Regional, mas sobretudo o secretário regional da Economia, Cultura e Transportes, deram os argumentos todos para que o Governo da República não apoiasse o “ferry”. Isto é o pior que podia ter acontecido.

Por outro lado, Paulino Ascenção, deputasdo do Bloco de Esquerda na Assembleia da República, numa iniciativa partidária, lembra que foram as autoridades regionais que criaram obstáculos à continuação da operação do Navio da Naviera Armas criando “nomeadamente, taxas portuárias absurdas, para descarregar um contentor frigorífico no Funchal, cujo preço era 10 vezes mais caro do que no porto de Portimão” além de outras restrições inaceitáveis ao transporte de carga. O parlamentar bloquista diz que, nessa altura, não foi o governo da República que criou estes entraves mas o Governo Regional do PSD/Madeira “para proteger interesses”.