Os Chineses roubam os nossos trabalhos?

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A eleição do Trump mostrou a necessidade da política e dos políticos moderados começarem a pensar fortemente sobre a globalização. Os eleitores de Donald Trump não são muito diferentes daqueles eleitores que votaram pelo Brexit no Reino Unido. São eleitores fortemente afectados pela crise de 2008 e/ou afectados por algumas consequências da Era da globalização em que vivemos, sem que consigam vislumbrar alguma resposta nos partidos moderados e que, por isso começam a virar-se para os partidos de ambos os extremos: direita e esquerda, como se vai vendo por toda a Europa.

A globalização é o processo de integração mundial nos diversos aspectos, economia, social, cultura e política. Para vários autores, como Zygmunt Bauman, este é um processo irreversível. Desta forma, torna-se crucial encarar esta temática e pensar sobre ela como forma de garantir que nos preparamos devidamente para lidar com este novo mundo. Em geral, a ciência económica defende que o comércio internacional permite ganhos de riqueza e qualidade de vida aos países. David Ricardo com a sua Teoria das Vantagens Comparativas, em 1820, apresentou-nos a ideia de que o comércio internacional trazia vantagens até para os países que fossem absolutamente menos eficientes a produzir todos os bens. A verdade é que, nos últimos anos, todos nós, cidadãos de países desenvolvidos, melhoramos em grande medida o nosso poder de compra à custa desta globalização e pior, à custa da escravidão do século XXI que existe nos países em desenvolvimento. É por termos essas vantagens que dia após dia fechamos os olhos às denúncias de escravidão e trabalho infantil de diversas marcas de todos os sectores ou à perda de postos de trabalho nos nossos países. Quantos de nós se lembram das crianças vítimas de trabalho forçado quando estão a comprar a roupa ou o calçado da moda? Ou quantos de nós se preocupam com os produtores nacionais no momento de escolher o smartphone favorito?

O comércio internacional e os países desenvolvidos têm sido incapazes de lidar com estes problemas. Na verdade podemos logo levantar a pergunta, como podemos (nós, países desenvolvidos) competir com estes países? Como podemos nós querer que as nossas empresas se mantenham entre portas quando do outro lado está uma concorrência feroz e desleal que permite não cumprir o mínimo de regras e direitos que nenhum de nós julgaria sequer aceitável perder.

É no meio desta incapacidade de resposta que surgem movimentos como o de Donald Trump. O Trump propõe um proteccionismo fiscal, ou seja, propõe aumentar os impostos sobre os produtos importados. Apesar desta ser a estratégia mais fácil é também, na minha opinião, a estratégia que menos resultados garante. Trump propõe um aumento de impostos a rondar os 10 p.p. para os produtos importados de países Asiáticos, nomeadamente da China. Conhecendo minimamente o comportamento de grande parte destas empresas não é de esperar que elas alterem drasticamente a sua estratégia.  Na verdade, é de esperar que as suas decisões sejam aproveitar a quase completa falta de regulação nos países em desenvolvimento para reduzir ainda mais os seus custos de produção e assim compensar esse aumento do custo relacionado com este imposto. Assim sendo, o resultado esperado seria: o aumento dos preços para os consumidores, pois as empresas mesmo compensado o custo, subiriam o preço para pressionar politicamente o governo através da redução do poder de compra dos consumidores. Adicionalmente, não existiria captação de empresas e empregos para a economia, pois o problema de competitividade não ficaria resolvido.

Uma outra solução proposta por muitos tem sido a criação de incentivos à permanência das empresas. Isto, para mim, é nivelar o mundo por baixo, pois incentivar estas empresas a permanecer num território só pode ser feito de duas formas: ou reduzir os direitos e garantias dos trabalhadores para tornar o trabalho mais barato ou através de transferências directas de dinheiro público para as empresas de forma a tornar possível atingir resultados equiparados nas duas localizações. Mesmo esta segunda opção que pode parecer inicialmente mais aceitável, é, na verdade, reduzir o poder de compra das famílias para transferir para as empresas porque, como dizia Margaret Thatcher “não existe dinheiro público, só existe dinheiro dos contribuintes”.

O que eu proponho é uma imposição de regras aos produtos importados, ou seja, exigir que os produtos vendidos nos nossos mercados mesmo que produzidos no estrangeiro cumpram as mesmas regras básicas que exigimos aos nossos produtores, tais como, respeito pelos direitos básicos dos trabalhadores, respeito pelo ambiente, respeito pela qualidade, etc..  Isto seria nivelar o mundo por cima porque: melhora a concorrência, pois reduz a distorção no mercado, e por outro lado, porque reduz as desigualdades mundiais. A curto prazo, esta estratégia poderia reduzir o nosso poder de compra, visto que os produtos deverão ficar mais caros. Isto acontecerá porque apesar de projectos como o Fairphone terem provado que é possível manter os preços dos produtos aumentando o respeito pelo comércio justo através da redução das margens de lucro, não é de esperar que todas as empresas multinacionais se comportem desta forma tão altruísta. Apesar disto, a longo prazo, como haverá um aumento do número de clientes com poder de compra a tendência é haver um incentivo ao aumento da produção e melhoria da eficiência e produtividade e assim reequilibrar os preços.

O autor deste texto escreve segundo o antigo acordo ortográfico da Língua Portuguesa