Ex-CEHA aborda vinda para a Madeira de refugiados gibraltinos nos anos 1940

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Fotos: Rui Marote

A Newsletter de Setembro do Centro de Estudos de História do Atlântico (CEHA), será dedicada a um tema que é singular fonte de interesse e simpatia entre os cidadãos madeirenses: os gibraltinos. Louis Pereira, Historiadores madeirenses participaram este ano, entre os dias 20 e 24 de Julho , num programa que incluiu um jantar destinado a reavivar a memória do evento. Na Newsletter de Setembro será apresentada uma espécie de diário de viagem da ida dos historiadores do CEHA a Gibraltar, para participar no 2016 World Music Festival, onde se celebrou a lusofonia. Uma ocasião especial para assinalar a antiga ligação entre madeirenses e gibraltinos, que incluiu espectáculos musicais, workshops e um jantar de homenagem, o tributo dos antigos refugiados à Madeira.

Também em Setembro,  Louis Pereira,  um gibraltino que esteve na Madeira como refugiado na Segunda Guerra Mundial e que é um dos grandes impulsionadores das iniciativas destinada a a fazer reviver este episódio histórico,  estará na Região para um jantar evocativo no dia 2.

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E que gibraltinos são esses, perguntar-se-á o mais jovem leitor? Possivelmente os seus pais terão alguma noção, os avós e os bisavós certamente recordarão aquele que foi um dos episódios mais transformadores do quotidiano madeirense, seus usos e costumes. Tudo se passou no início da década de 1940, quando a Segunda Guerra Mundial alastrava pela Europa e pelas mais diversas paragens. Gibraltar, então, como hoje, um enclave britânico em terras espanholas, sentiu-se ameaçado, e os seus cidadãos, perante a vizinhança de Franco, ditador espanhol próximo de Hitler e Mussolini, vencedor da Guerra Civil de Espanha, não se sentiam seguros. Buscaram a tranquilidade e também a neutralidade da Madeira, cujo turismo e economia se ressentiam já, na altura, das consequências do conflito armado. Aqui encheram cafés, hotéis, residenciais e cativaram, numa terra que vivia muito ainda de forma excessivamente sóbria, cinzenta e subordinada a valores de recato, modéstia e pura e simples castração de liberdades fruto de uma sociedade machista e fortemente católica. Transformaram costumes e hábitos, influenciaram a sociedade, fascinaram os homens pelos seus hábitos descontraídos e as mulheres madeirenses, que almejavam ter a mesma liberdade. De saírem de casa sozinhas e não apenas acompanhadas de amigos e familiares; de frequentarem cafés, e de fumarem e se divertirem em público, como faziam as gibraltinas, donas de comportamentos muito mais cosmopolitas.

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A comunidade gibraltina instalou-se bem na vida e na sociedade vmadeirense e abriu olhos para as liberdades que se avizinhavam, para o que se passava no resto do mundo. Ajudou a libertar os madeirenses de uma mentalidade tacanha e excessivamente fechada. De caminho, ainda ajudou a depauperada economia da Região. Tratava-se de refugiados de guerra, sim, mas não de indigentes.

Conforme refere o historiador e investigador Alberto Veira, no artigo ‘Gibraltar e Madeira. 1940-1944: uma união de facto / Um paraíso como refúgio face à guerra’, que começa por um poema de Antonio Braz Garcez dedicado à gibraltina Marilu Schiappe, os hotéis da ilha estavam na altura encerrados porque não havia turistas. “Mas tudo mudou em Agosto de 1940, com a chegada dos refugiados gibraltinos. Encheram-se os hotéis e as pensões e as ruas da cidade ganharam o movimento e a animação parecidos aos dias em que chegava qualquer navio. O comércio e a restauração ganharam nova clientela. Para além deste impacto positivo devemos notar as infuências que a presença destes forasteiros tiveram na sociedade madeirense, criando condições para uma maior abertura social, nomeadamente do sexo feminino. Daí o tributo e gratidão de muitos madeirenses para com esta situação”.

Se os madeirenses beneficiaram social e economicamente, os gibraltinos puderam encontrar na ilha, paradisíaca na altura, um refúgio seguro dos horrores da guerra, sublinha Vieira. Uma história que importa recordar, um episódio memorável, quando à Europa se coloca de novo o problema dos refugiados de guerra.

As gibraltinas constituíram ainda fundações, especialmente beneméritas, e fundaram clubes e associações recreativas. Além do mais, estes cidadãos de Gibraltar sempre mostraram gratidão pela forma como foram tratados pelos madeirenses, que esqueceram as manifestações xenófobas e de desconfiança.

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Celebrando estes antigos laços com o gibraltinos, foi assinado em Maio de 2009 um protocolo entre os municípios de Gibraltar e a Madeira, erguendo-se monumentos em ambos os locais para assinalar esta situação. É um episódio, como diz Alberto Vieira, que pertence hoje ao passado, mas que não se apaga da memória colectiva.

“Este foi um dos maiores acontecimentos do séc. XX para Madeira, que teve um efeito multiplicador das formas de comportamento dos madeirenses, principalmente no Funchal”, não duvida o investigador Alberto Vieira.

Apesar de terem nacionalidade britãnica, entre os gibraltinos há também muitos judeus, e o seu comportamento é também de uma natureza mais latina. Daí que a sua integração na sociedade madeirense foi perfeita, o que em termos gerais não acontecia com outros recé-chegados. A relação foi muito diferente daquela que se teve sempre com a comunidade britânica da Grã-Bretanha propriamente dita, que raramente casava com madeirenses. Já entre os gibraltinos e madeirense, verificaram-se vários casamentos.