A reforma de que não falam nem gostam

ricardo

O debate surgia promissor e desafiante. Era a primeira vez que discutia o estado da Região. Em muitos parlamentos do Mundo, os Governos dedicam uma sessão para fazer esse balanço perante os directos representantes do povo. Acontecia finalmente na Madeira.

Em termos de conclusão, pelo que vimos e ouvimos, há necessidade de repensar o procedimento. O tempo foi excessivo, o interesse diminuto e as lateralidades esconderam o essencial. A bem do parlamentarismo regional, há que centrar o debate naquilo que é de facto importante.

Na generalidade, o Governo apresentou-se como um gestor receoso de derrapagens, traumatizado pelos anos de um PAEF, duro para os cidadãos e limitador para as suas capacidades. O Governo é ainda o Governo em crise, condicionando a sua acção à tesouraria. Há um esmorecer da vertente reformista que tanto animou o eleitorado há quinze meses atrás e dos promissores ímpetos iniciais caiu-se num adormecimento imputado ao rigor das contas.

Mas nem todas as reformas dependem das finanças! Há uma área onde as contas pouco relevo têm, que é transversal a todas as políticas e suporte de onde se deve partir. Falo da Administração Pública.

Aqui, não precisamos de cabimentos orçamentais, e por aqui se testa a verdadeira vontade de mudar e de introduzir regras que garantam mais imparcialidade, independência e mérito.

Nos procedimentos destacaria:

– os contratos públicos, que esperam pela adaptação das directivas europeias à Região, permitindo que se incentive a economia regional, se estimulem as pequenas e médias empresas, se premeie a criação de postos de trabalho;

– as concessões, onde muito há a fazer, como recentemente lembrou o Tribunal de Contas. Não me refiro apenas à necessidade de melhor enquadrar licenciamentos de operações económicas de interesse público, mas foco-me especialmente na urgência da Região saber tirar proveito do que se concessiona, impondo justas e imparciais contrapartidas;

– por último a implementação das conferências entre departamentos governamentais para decidir sobre assuntos transversais a várias secretarias. Assiste-se ainda a uma compartimentação estanque de serviços regionais, sem concertação, sem interligação, cada um “puxando a brasa à sua sardinha”. Sabem os investidores da labiríntica tarefa para se conseguir a aprovação, a licença ou a autorização!

Nos recursos humanos a situação é muito preocupante, pela quase impossibilidade de admitir novos trabalhadores, pela péssima remuneração garantida aos poucos quadros que entram e pela escassa atractividade para a qualidade e para a eficiência. Não me espanta que daqui a poucos anos tenhamos uma administração pública perfeitamente incapaz de responder aos desafios onde tem de intervir ou regular, pela falta de quadros novos e motivados, associado a um envelhecimento de uma máquina administrativa onde percentualmente predominam os administrativos e auxiliares.

A prática governativa destes últimos quinze meses piorou a situação. Aprovou-se um diploma sobre cargos de chefia que significou um retrocesso na valorização do mérito, na independência e imparcialidade, preferindo a confiança pessoal à objectividade de critérios para quem acede a esses cargos.

Os concursos públicos para cargos e até para acesso à função pública são feitos à medida de quem previamente se escolhe, privilegiando as relações pessoais estabelecidas.

Em vez de se optar por uma verdadeira reforma da Administração Pública regional mais próxima, eficiente, independente e estimulante à competência e ao mérito, a preferência foi para o alargamento dos gabinetes pessoais, para as assessorias – são centenas de nomeados que saltam de cargos para cargos – e para a criação de novos institutos e serviços autónomos sem que se demonstrasse a sua necessidade ou viabilidade.

A Região podia ter uma administração pública exemplar, estimulante para quem nela trabalha – e muitos bons trabalhadores tem – gratificante para quem tivesse mérito, independentemente da cor politica ou das relações pessoais com quem governa, apenas comprometida com o serviço público, imparcial e independente.

Mas de facto não tem e parece não querer ter! Os resquícios do pior do jardinismo persistem em aninhar-se nas políticas regionais sobre a administração pública. E o autoproclamado governo renovado, gosta!