Forte fusão e experimentalismo no segundo dia do Raízes do Atlântico

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Fotos: Rui Marote

Que o conceito deste ano do Festival Raízes do Atlântico está diferente, já deu para perceber. A organização propôs-se “ultrapassar a barreira tradicional do conceito ‘World Music’ para uma fusão de géneros”, e de facto foi a isso que se pôde assistir nos dois dias do evento, tornando-se ainda mais evidente no concerto de ontem.

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Os britânicos ‘Sons of Kemet’ e o sul-africano ‘Petit Noir’ deixaram bem patente que, de ‘world music’, só têm de facto as bases, a inspiração. De resto, o seu som é tudo menos ‘etnográfico’, é antes uma incursão altamente experimentalista por outros géneros musicais. No caso dos ‘Sons of Kemet’, que abriram ontem o concerto, os espectadores depararam com um som fortemente marcado pela percussão e pelos insistentes sons de metais (tuba e saxofone), com grande ênfase no improviso e na espontaneidade. Ficámos com a impressão dum forte experimentalismo, realmente influenciado por um cunho jazzístico original, mas misturado a muitas outras sonoridades, inclusive caribenhas.

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A formação venceu o prémio MOBO e foi nomeada para o Gilles Peterson, referida pelo jornal britânico ‘The Guardian’ e pela BBC como uma das melhores e mais originais bandas do ano.

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A banda é lideraa por Shabaka Hutchings, vencedor do ‘BBC New Generation Artist’. Além da presença em múltiplos festivais de música, o grupo já chegou a colaborar com o realizador David Fincher, entre outros projectos no âmbito criativo.

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Também elogiado pelo ‘The Guardian’ surgiu a seguir em palco ‘Petite Noir’, considerado pelo periódico “um dos artistas sul-africanos mais genuínos do momento”, segundo refere a organização. As sonoridades que propôs foram, sem dúvida, surpreendentes, numa fusão de diferentes registos vocais do cantor e de “sons africanizados na esteira do kwaito sul-africano, do kuduro luso-angolano ou dos sons urbanos do Congo”. Na realidade, teríamos muita dificuldade em classificar qualquer dos grupos que ontem actuou, dado o elevado grau de experimentalismo e a mistura de estilos e influências.

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Petit Noir, ficámos a saber, nasceu para a música na igreja, cantando e tocando nesse ambiente, até que o músico sul-africano Spoek Mathambo o desafiou para uma colaboração. Vivia então em Cape Town, sendo filho de mãe angolana e de pai congolês.

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O público do concerto de ontem divergiu, pareceu-nos. Se muitos ficaram curiosos e intrigados pelas sonoridades apresentadas, numa atitude de abertura que os levou a assistir a todo o evento, e se outros balançaram animadamente ao som dos ritmos hipnóticos dos Sons of Kemet, não faltou também quem progressivamente fosse abandonando os lugares e o recinto, ou concentrando-se mais na zona do bar, atrás, ao invés de prestar real atenção à música. Tal fenómeno tornou-se mais evidente com o som de ‘Petit Noir’, dono, na realidade, de uma voz assinalável, mas cujas propostas musicais terão sido, para alguns, demasiado surpreendentes.

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Correndo o risco de parecermos, nós próprios, um pouco botas-de-elástico e de horizontes limitados, e sem desfazer do currículo apresentado por estes novos artistas, confessamos que nos agradaram mais edições do ‘Raízes do Atlântico’ de outros tempos, e mais numa orientação realmente world music, tempos esses em que tivemos o privilégio de assistir a interpretações de virtuosos como o basco Kepa Junkera, só para citar um nome. Foi no Jardim Municipal, um espaço popular por excelência, e pôs toda a gente a mexer, rendida à música. A nova proposta na Quinta Magnólia também não deixa de ser atraente, e de constituir uma abordagem inovadora, mas não nos parece que as musicalidades propostas sejam, exactamente, consensuais… De qualquer modo, aqui fica o registo fotográfico do FN, da autoria de Rui Marote.

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