A artista que ganhou o concurso de arte urbana lançado pela Câmara do Funchal já concluiu o seu trabalho no auto-silo do Almirante Reis.
Bárbara Gil Pereira deu ontem conta disso no seu facebook que o Funchal Notícias, com a devida vénia, transcreve:
“Finalmente pronto.
Esta semana ficou pronto o meu mural “zapruder”.
O Urbart foi um concurso muito interessante lançado pela câmara municipal do Funchal .
Artistas de qualquer nível poderiam concorrer mediante apresentação de um projecto para 5 locais disponíveis .
O objectivo era aproximar as pessoas da arte pública e enriquecer a cidade culturalmente .
Mas também fazê-lo de uma forma inovadora .
Além do conceito , esta última parte foi sem dúvida aquilo que me convenceu a participar .
Na minha opinião é tempo da Madeira abrir mais os horizontes neste tipo de iniciativas .
As vezes existem boas ideias mas depois peca-se por se pensar que no resultado se é da Madeira ou feito na Madeira ou para a Madeira tem de ter sempre uma estrelicia , um anturio , um barrete de vilão ou um cacho de bananas .
Ora para quem acorda todos os dias com este mar e este horizonte imenso , parece-me demasiado redutor .
Além de não se estar a aproveitar devidamente as influências e referências exteriores que concedem a Madeira um cosmopolitismo invulgar a pequenas regiões isoladas .
A Madeira é muito mais que uma estrelicia .
Essa exposição ao exterior , seja pelo turismo , seja pelos expats , seja pela emigração , faz com que exista mais referências que essas .
Especialmente a partir da minha geração , onde muita da população jovem estuda fora e vive -se a era da informação e da internet .
Tudo isto era muito claro nas intenções da Câmara Municipal o que me deixou feliz e entusiasmou a participar.
É um orgulho muito grande ter sido vencedora deste concurso.
Até porque é também o meu primeiro trabalho nesta escala.
Mas é sobretudo um orgulho , porque sou uma madeirense orgulhosa das minhas origens e da minha ilha.
Com a qual tenho um compromisso pessoal de promovê-la a todo o lado que vou , onde ainda existe muita falta de informação daquilo que a Madeira é hoje .
O que é sobretudo muito chocante a nível nacional .
Através dos meus contactos , no meu meio profissional ,sempre que posso faço por colmatar a lacuna cultural que existe , acredito que devido ao isolamento geográfico (e sem dúvida por sermos parte de um país que apoia tão pouco a cultura ) trazendo cá outros artistas , algo que tenho tentado fazer através de algumas curadorias.
Quanto a interpretações smile emoticon Há aqui dois lados .
Um mais pessoal mas que também está aberto a outras histórias ….
Esta peça chama-se “zapruder” , devido à máquina bell & howell que foi usada por abraham zapruder quando filmou o assassinato de jfk .
Foi a primeira vez na História que passou a existir um registo de um momento daqueles .
Toda esta peça é uma reflexão sobre esta era de informação ao minuto , redes sociais , observação constante , que adquire ainda mais significados se pensarmos que muito antes de existir um facebook , num local pequeno como a nossa ilha ou a nossa cidade o interesse pelos outros , a informação já corria com a mesma rapidez .
E depois claro que existem velaturas das minhas experiências , como o facto de o meu pai ser uma figura pública e ter crescido com essa situação peculiar assim como as minhas referências .
Mas todo esse jogo de quem observa quem , que é de resto um tema abordado com frequência ao longo da história da arte , de velasquez a van eyck adquire outras leituras se pensarmos que o local onde se encontra esta peça é a porta de entrada da cidade pelo Mar ( cruzeiros ) e um local de grande afluência por parte dos turistas munidos das suas câmaras .
Mas um dos meus objectivos com esta peça , e aquele que espero ser o meu legado é que seja o início de um diálogo sobre a relevância da arte pública , nas várias disciplinas , da pintura , a escultura às instalações .
E da importância da Madeira entrar nessa “conversa ” neste momento em que a arte pública vive um momento de glória .
Mas sobretudo fazê-lo com qualidade e com pés e cabeça .
Existem legados da arte urbana que não fazem sentido numa cidade como a nossa. Linguagens que têm um porquê cultural que não é o nosso. E se conseguimos evitá-los até agora tanto melhor.( refiro-me por exemplo aos tags e intervenções nessa linha, especialmente aqueles que danificam em vez de engrandecer patrimônio histórico )
Ao mesmo tempo na minha opinião , talvez pela minha base ser o atelier e não a rua ,nem todas as intervenções que se fazem podem ser classificadas de arte urbana , nem todas devem sequer existir.
Hoje caminha-se para uma curadoria onde Devem existir critérios técnicos artísticos , temáticos e atenção à envolvência .
Não obstante de existirem espaços mais ou menos temporários , onde artistas mais jovens ou menos experientes possam treinar , exprimir-se e evoluir.
É este o caminho que se está a seguir nas grandes cidades e é este o caminho que para mim faz sentido numa pequena cidade cheia de patrimônio histórico como a nossa , que deve ser preservado.
Nada disto tem a ver com criar dificuldades , é só uma questão de bom senso e de seguirmos os bons exemplos .
Exemplos como o festival de arte urbana walk and talk nos Açores e exemplos como o da GAU – galeria de arte urbana da câmara municipal de Lisboa tem levado a cabo em parceria com a Galeria Underdogs.
Que vale a pena seguir , ao vivo ou até mesmo pelo facebook e instagram.
Temos território virgem nesta área mas alguns bons passos dados na arte pública , especialmente na escultura. Dando espaço a artistas regionais .
É continuar mas também apontar mais alto .
E dar também espaço a peças de artistas internacionais.
Para que tenhamos relevância mas também para que possamos dar
referências artísticas e obras de qualidade as pessoas , que cá vivem e que nos visitam para que elas saibam distinguir ,saibam opinar , despertar-lhes o apetite sobre a arte e sobre a sua cidade.
Fazê-las compreender e pensar que uma peça desta escala ou uma escultura numa praça não é meramente decorativa e não está ali a substituir um Biblot ou uma jarra de flores.
Tem um significado , às vezes até é uma arma .
E na mesma leva espero que também faça reflectir algumas entidades públicas e privadas sobre algum sentido de altruísmo para com a região .
Aqueles que cresceram aqui e que hoje dao passos mais ou menos largos lá fora , que ajudem a manter o local que os fez crescer. Seja através da manutenção de espaços públicos , como os jardins seja a apoiar iniciativas que culturais , através de patrocínios , estadias o que for…
Se um artista emergente como eu consegue doar o seu tempo voluntariamente , a sua energia física , deixando o retorno financeiro em segundo plano- pois o tempo investido na peça gratuitamente é tempo que não está a ser investido em trabalhos que dão retorno financeiro , porque a visibilidade apenas não paga a renda e a conta da luz ,mas se um artista com as suas parcas condições consegue fazer algo pela sua cidade é prova que outras estruturas mais sedimentadas também conseguem.
E que em última análise essa situação também faça pensar no respeito que se deve aos artistas e no apoio que se lhes da.
Adoro aquelas pessoas que dizem ” ah admiro-te muito , vida de artista é tão difícil … Olha mas tenho um trabalho para ti … Não há dinheiro , mas vais ter imensa visibilidade ” .
Ninguém pede o mesmo a um cirurgião. E todos ficariam chocados se ele andasse a rasca para pagar a conta do supermercado .
Sensibilizar as pessoas a terem mais respeito pelos os artistas é também um grande objectivo , são os que mais dão e os que menos têm em troca.
Tudo o que temos da roupa , ao telefone , a série , ao aparelho de televisão , ao carro , ao sofá , existe por causa de um artista , de alguém que pensa diferente e que dá ao mundo.
E aqueles que são emergentes , ou mesmo mais experientes precisam do vosso apoio e consideração .
Gostaria de agradecer a câmara municipal do Funchal pela oportunidade e apoio , aos bombeiros municipais do Funchal e ao pessoal e gerência do auto-silo do almirante Reis por toda a boa disposição e disponibilidade .
À FN hotelaria por acreditar no projecto e pelo apoio ao vídeo do making of.
À fullzoom e ao Nuno Rodrigues .
Aos orelha negra pela banda sonora.
Ao Duarte Afonso que sem o incentivo nunca teria participado no Urbart .
Ao Duarte Encarnacao por todo o apoio pós-concurso.
A Raquel Brazao pelo entusiasmo e por ter-se certificado de me garantir as melhores condições de execução.
Ao Simon Zino pelo fantástico registo fotográfico .
Ao João Costa Nobrega , uma pessoa muito especial cujo pequeno apoio logístico e grande apoio moral foram grandes responsáveis pela minha resistência nos momentos mais duros .
A todos os amigos que enviaram mensagens de força , a todos os que passaram por lá para me dar um alento debaixo do sol de agosto.
E last but not least aos meus pais , por acreditarem em mim.”