OPINIÃO
Luís Rocha
E pronto. Já é 30 de Junho, o dia em que a Grécia falhará um pagamento aos credores, de 1600 milhões de euros, nomeadamente ao Fundo Monetário Internacional. Os mercados estão nervosos. Os gregos enfrentam um cerco sem precedentes dos líderes europeus e estão a encará-lo como isso mesmo: uma perseguição implacável, uma forma de os poderosos exercerem uma pressão sobre os mais fracos que se aproxima da chantagem. Após longos cinco anos de austeridade, os habitantes do país onde nasceu a democracia sentem-se capazes de virar as costas à zona euro e regressar à dracma, fundados na convicção de que a situação não pode, realmente, ficar pior.
O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, fez o seu número, afirmando-se desiludido “enquanto ser humano” com a postura dos líderes gregos. Mas ninguém acredita nas suas ‘lágrimas’ de crocodilo. Muito menos os gregos, que, na perspectiva dos habitantes de muitos outros países europeus, não passam de maus pagadores, mas que na realidade já viveram muitas medidas de austeridade e não estão dispostos a permitir que ainda mais castigos do mesmo género venham cair novamente, como o pretende a União Europeia, sobre a viúva e o órfão. Alexis Tsipras e os seus correligionários preferem que o ónus da crise caia sobre aqueles que podem pagá-la, como em tempos se dizia. Mas a ‘troika’ está contra. E prefere esticar a corda, que nunca se sabe de que lado irá partir.
É verdade que os gregos também o fizeram, na perspectiva de alguns. Na de outros, limitaram-se a defender os seus interesses, e sobretudo os interesses dos mais fracos da sua sociedade. Precisamente aqueles de que em Portugal, ninguém quer saber: a sacrificada classe média, os pensionistas, os idosos, os desempregados. No fundo, os mais desprotegidos.
O governo de Passos Coelho bem pode apregoar, disparatadamente, que Portugal não será apanhado de surpresa por uma eventual saída da Grécia da zona euro. Que temos reservas de moeda para nos prevenirmos. Salazar fazia o mesmo. Havia barras de ouro no Banco de Portugal, mas o país estava à míngua. Hoje também o está, mas isso não interessa ao nosso primeiro-ministro, nem ao seu vice. Aqueles que estão a vender a TAP a pataco antes das próximas eleições (porque será?)
Nenhum deles teve realmente de trabalhar a sério para ganhar a vida. Nem sabem o que é ter de se apresentar de quinze em quinze dias num Centro de Emprego, como se, porque o patrão os despediu, fossem culpados de algum tipo de delito e estivessem numa espécie de liberdade condicional.
Passos Coelho fez carreira nas juventudes partidárias, essa espécie de albergues espanhóis onde se encontra de tudo. Indivíduos inqualificáveis que anos depois conhecemos como deputados, presidentes de câmara, e outros cargos superiores. Depois foi ‘trabalhar’ como administrador para as empresas de amigos da família. Acabou em primeiro-ministro. É assim num país onde se premeia a mediocridade, não o mérito. Um país onde indivíduos como Ricardo Salgado se escapam como enguias por entre as malhas da justiça. E são eles os medalhados no 10 de Junho, não o esqueçamos.
A Grécia também teve a sua quota parte de maus políticos. Como Portugal, também malbaratou dinheiros públicos. Mas não está disposta a ter de continuar a pagar para sempre. Ninguém devia ter de pagar para sempre por um delito. A Grécia quer ter dignidade, quer cumprir obrigações, quer ter a oportunidade de se levantar. Não quer continuar, alegremente, a ostentar a canga sobre o pescoço durante mais uns anos.
Portugal, já se sabe, não pensa assim. Afinal de contas somos nós os bons alunos, não é? Vejam só onde isso nos levou…
Yannis Varoufakis e Alexis Tsipras são dois dos políticos de proa da Grécia actual. Não exibem nenhum dos sinais de mediocridade, de inteligência limitada ou de apetência para rastejar sob as ordens dos poderosos, que são características inconfundíveis do actual governo de Portugal.
Ontem, Tsipras apelou a um não claro às medidas de austeridade, no referendo do próximo domingo. O governante diz que respeitará a vontade do povo grego, mas deixa entrever que se demitirá se a resposta for contrária ao que deseja. Outros implementarão as medidas de austeridade no seu país: não ele. Aprecio-lhe a coerência, acredito na sua sinceridade. Mas os gregos, que muito provavelmente gritarão um não bem sonoro no referendo do fim-de-semana, já deixaram entrever, numa manifestação que juntou umas boas vinte mil pessoas ontem à noite em Atenas, que o seu “não” se poderá estender, inclusive, à zona euro. Já estão fartos. Agora já quase que são eles que querem sair. Claro, ninguém o fez antes, ninguém ousou desafiar a vontade sacrossanta dos novos líderes do Velho Continente, e ninguém sabe como isto terminará. Mas pelo menos, há que reconhecer que não se trata de um povo ‘agachado’. É um povo que já não acredita nos outros, mas que ainda acredita um pouco em si próprio.
Do outro lado, há a arrogância de julgar que um afastamento da Grécia não significaria nada de importante. O inefável Cavaco Silva, ontem ressuscitou para dizer que, se a Grécia sair do euro, ficam outros 18 países. Não há problema.
O engraçado é que Estados Unidos, China e até, inteligente e maquiavelicamente, a Rússia estão a alertar contra isto. A direita europeia pensa que tem o monopólio da compreensão da economia, mas não é assim. O capitalismo não determinou o “fim da história”. Fazem ouvidos de mercador a especialistas como Paul Krugman, o Nobel da Economia que criticou acerbamente a atitude dos credores da Grécia. Pensam que podem aguentar o embate sem estremecer. Mas a verdade é que ninguém sabe adivinhar a verdadeira extensão das consequências. Uma coisa é certa: não seriam boas…
Inclusive do ponto de vista geoestratégico. O que se torna mais fácil adivinhar é que, se a Grécia se afastar dos países mais industrializados da Europa Ocidental, que dominam actualmente a União Europeia, não só inaugura um precedente perigoso como provavelmente se aproximará da Rússia, económica e políticamente, modificando todo o equilíbrio das forças da NATO em relação a uma nação poderosa, onde se verifica um nacionalismo crescente, e que recusa submeter-se abjectamente aos interesses norte-americanos e dos seus aliados europeus. Uma nação que, ao defender os seus interesses na Ucrânia, não tem medo de desafiar as convenções estabelecidas em relação à ilegitimidade da ingerência nos assuntos internos de um país (os norte-americanos estão fartos de fazê-lo noutros lugares, mas ninguém parece reparar).
A ‘dissidência’ da Grécia pode muito bem ser o início de uma profunda transformação do mapa económico, político e geoestratégico europeu. E que estão os países que têm a Europa no bolso a fazer, para evitar alienar este país do seu seio? Nada. Toca a espremê-los bem espremidos, que o lado mais fraco há-de ceder.
Só que nem sempre o lado mais fraco é aquele que se imagina. E os fortes de hoje podem ser os fracos de amanhã.
Entretanto, a única coisa boa no meio disto tudo é que Tsipras continua a dar a entender que está sempre disposto a negociar com quem quiser falar com ele. Que ainda não ‘desligou o telemóvel’. Ao contrário dos autistas do outro lado da barricada. Só nos resta esperar pelo melhor.