Sobre a utilidade social e literária de uma associação de escritores da Madeira

Carlos Fino

Há dias, diziam-me: “Estes jovens talentos que vão aparecendo precisam de quem os apoie e enquadre”. Argumento de peso, convenhamos, ainda que o melhor seja refletir um pouco nele e no que semelhante maternalismo pode trazer a tiracolo. Claro que precisam de apoio, quem não precisa? Só que, para se ser escritor, o melhor apoio deve começar por não asfixiar, não confundir, não misturar, não impingir, não enganar. E, sobretudo, não passar a ideia de que o rigor é um luxo dispensável. Talento, até talvez seja, se houver muito trabalho. Penúria, já basta a financeira, que é suficientemente ruim de se tragar.

Eu não sei, já não sou jovem, mas, pelos critérios conhecidos de entrada, permanência e dissidência da associação de escritores cá da terra, nesta nova arremetida, como na anterior, passou a ser piada chamar escritor a alguém. Pelo que me diz respeito, nada mais aspiro a ser do que leitor. De livros e do mundo, a começar pelo mundo aqui à volta. O pequeno mundo da ilha, sem arredores, onde se concentram, pelos vistos, muitos mais escritores do que leitores, e que precisa tanto de uma associação de escritores como de uma sucursal da bizantina ordem do Santo Sepulcro, como precisou, há um século, das Esquadras de Navegação Terrestre. Para espairecer.

Nenhum jovem, em nenhuma parte do planeta, alguma vez precisou de uma associação de escritores para começar a escrever. Aliás, o que é costume acontecer é precisamente o contrário: primeiro escreve-se, depois publica-se e, se a qualidade da publicação o justificar, poder-se-á fazer parte de uma associação de escritores. Experimentem tentar saber que critérios são utilizados pela Associação Portuguesa de Escritores, associação de escritores mesmo, para admitir os seus membros. Os seus Estatutos, logo no ponto 3, do artº 1º, esclarecem quaisquer dúvidas:

“Consideram-se escritores, para os efeitos previstos nestes Estatutos, além de os autores de textos de pura criação literária publicados em língua portuguesa e de reconhecida qualidade estética, os autores de quaisquer outros textos que pela originalidade de concepção, ou virtudes do estilo, possuem apreciáveis características literárias. Os textos de natureza estritamente técnica ou profissional e os de índole meramente informativa ou publicitária não conferem, só por si, aos seus autores, a qualificação de escritores.”

Não existe nenhuma alusão a “escritores” sem escrita, amigos de escritores, aspirantes a escritor, pessoas que confundem literatura com outra coisa qualquer.

Carlos Nogueira Fino