Associação Protectora dos Pobres não mata só a fome


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Fundada em 1889, a Associação Protectora dos Pobres (APP) tem respondido, ao longo dos anos, a muitas situações de pobreza extrema. Hoje, continua a abrir as portas aos mais carenciados, mas não mata só a fome. Apoia diariamente, em média, 230 utentes e oferece variados serviços que vão desde a alimentação, ao teatro. O objetivo é a integração social. Há casos de sucesso, mas há também situações de discriminação por parte de quem pode contratar, alerta Luísa Pessanha, diretora da instituição.

Imigrante da Guiné Conacry, Habiboulaye D’Allo chegou à Madeira para trabalhar na construção civil. “Mas não deu certo”, recorda. “Acabei por perder tudo, nem tinha documentação, mas graças a Deus, com apoio da APP, recuperei algumas coisas. Não sabia português e já sei escrever e falar um pouco. É tempo de procurar trabalho.”

D’Allo frequenta a associação há mais de três anos e é um exemplo de como é fácil cair na pobreza. “Há muitas formas, são infindáveis. Trabalhamos com uma diversidade de problemáticas sociais. Existem muitas pessoas que já tiveram boas casas e bons carros e uma vida completamente diferente”, diz a propósito Luísa Pessanha.

Neste momento, o desemprego é a primeira causa que leva à procura da APP, ao contrário do alcoolismo e da toxicodependência que representam “uma franja muito pequena, mas quando se olha para a instituição o que se vê são as situações mais problemáticas e que chamam mais a atenção”, acrescenta.

Relativamente à integração no mundo laboral, a diretora explica que ”as pessoas têm de estar capazes emocional e fisicamente. É difícil encontrar trabalho, mas consegue-se. Recentemente, tivemos um utente que entrou no nosso Centro de Acolhimento Nocturno, daí a uma semana estava a trabalhar, como cozinheiro, num restaurante e três semanas depois saiu do centro. Temos casos de sucesso”.

Mas os percursos de vida são diferentes. Há quem se mantenha por muitos anos, quem não esteja apto a entrar no mundo do trabalho. Nesses casos recorrem ao rendimento social de inserção, alugam um quarto e continuam a ter apoio de retaguarda da APP, ao nível da alimentação e do Atelier Ocupacional, que a instituição dispõe. “Claro que há pessoas que levam mais tempo a desenvolver as capacidades e competências para a integração no meio laboral. Há outras que chegam numa situação de passagem, estão aptas, é uma questão de tempo e de oportunidade. Há outras que estão capazes mas a oportunidade nunca chega. Temos que estar abertos a qualquer situação.”

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Alguns dos utentes têm currículo e boa experiência profissional, “mas quando vão às entrevistas de trabalho e é necessário deixar a morada, ou contacto, têm que referir a APP, que é onde estão. A partir daqui, por vezes, certas entidades patronais, empregadores, colocam logo de parte”. Luísa Pessanha salienta que “as pessoas precisam de uma oportunidade para conseguir se erguer, caso contrário nunca mais conseguem uma vida normal. O que estamos a promover, com este tipo de situação, é a marginalidade, a empurrar para outras vivências, outros escapes que não interessam e toda a sociedade acaba por sofrer as consequências. Quando as pessoas estão capazes devem ser apoiadas. Não é por frequentar o Centro de Acolhimento Nocturno que ficam menos aptas, até porque, para estarem ali, têm que respeitar muitas regras”.

A APP tem atualmente mais de 700 inscritos. A frequentar os serviços, como utentes ativos, são 446 por mês, trinta dos quais sem-abrigo. Serve diariamente 350 refeições, para além das distribuídas em termo. “A nossa população é muito flutuante e nunca sabemos quantas pessoas vêm, mas fazemos o possível por estar preparados. São cerca de 120 almoços, mas confecionamos entre 120-140 e geralmente não falha.” O refeitório abre para o pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar.

Para além das refeições, a instituição faculta, gratuitamente, um conjunto variado de valências que vão desde o serviço de rouparia e lavandaria, banhos, consulta de enfermagem, atendimento de psicologia, atividades dinâmicas, como o Aconchegar, que decorre pelas 9 horas e visa criar boa disposição. Há também aulas de informática e de ensino recorrente, trabalhos manuais, exercícios de memória, sessões de humor e vídeo, terapia de grupo/reinserção social, dança, jogos musicais, teatro, entre outras. Algumas atividades são desenvolvidas no Atelier Ocupacional, que conta com cerca de 30 utentes e é orientado por dois animadores.

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“Tentamos diversificar ao máximo as atividades. À sexta-feira, têm prática desportiva no Pavilhão dos Trabalhadores e à quarta-feira há caminhada”, explica a diretora. “No atelier desenvolvemos muitas dinâmicas de melhoramento de competências pessoais e sociais, de modo trabalhar a integração na sociedade, a que sintam que conseguem fazer melhor. Pretende-se que tenham outras possibilidades, outros objetivos e sonhos.”

No âmbito do ensino recorrente, a instituição já entregou aos utentes cinco certificados de quarto ano de escolaridade. Podem também integrar as aulas de melhoria de conhecimentos. “Há utentes que têm o quarto ano, mas já não sabem ler nem fazer contas, porque esqueceram completamente. O serviço de biblioteca é também importante. Incutimos o hábito de leitura, na medida em que, quando saem da instituição, lidam com o isolamento”, diz. A APP tem uma pequena biblioteca que carece de livros. Apela por isso a quem possa oferecer.

Mas, apesar da amplitude do trabalho realizado, permanece em relação à casa um conceito ultrapassado. “Infelizmente ainda há quem olhe para a instituição como um espaço onde se faculta uma sopa, “a sopa” do Cardoso, um local onde as pessoas só vêm matar a fome, mas há muito anos que a realidade não é essa. Gostava que a ideia acabasse”, salienta Luísa Pessanha. “A nossa preocupação é trabalharmos o bem-estar das pessoas, a sua integração, seja a nível familiar, habitacional ou profissional. Estamos aqui para melhorar as competências, a saúde mental, o saber estar, a autonomia, para que possam ter uma vida mais digna, que não passa unicamente por matar a fome ou tratar da sua higiene.”

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Com a crise, foi em 2012 que se registou a maior procura da Associação Protectora dos Pobres, mas situação entretanto estabilizou. ”O número não aumentou nos últimos tempos de maneira preocupante, o que se verifica é que os utentes passaram a frequentar todos os serviços que a casa disponibiliza, por isso estes aumentaram um pouco.” Conforme explica, a procura atenuou porque a crise motivou “respostas sociais mais adequadas à problemática do desemprego, por parte da Segurança Social e do Governo, como por exemplo, programas de emergência alimentar e cabazes que são entregues por diferentes organismos”.

O Centro de Acolhimento Nocturno da APP tem capacidade para acolher, por noite, 12 pessoas do sexo masculino e 12 do feminino. Tem ainda quatro camas de emergência. Neste momento, a lotação está completa para os homens e pernoitam duas senhoras, mas habitualmente são seis. A entrada no centro acontece após uma avaliação e de ser traçado um projeto de integração. É então entregue ao utente uma credencial que dá direito a 15 noites consecutivas, que poderão ser renovadas por mais 15 e assim sucessivamente.

“Sempre que os utentes estejam a cumprir o plano definido pela equipa técnica, só há duas maneiras de sair do centro: por integração, quando são autónomos, ou com um apoio de retaguarda da instituição, ou por incumprimento de regras/abandono da ajuda”. As regras são claras. Conforme explica, “não é permitida a entrada a quem chega sob o efeito de substâncias psicoativas. É um espaço onde as pessoas são autónomas e têm que estar conscientes dos seus atos. Não podem colocar em risco a sua saúde, o seu bem-estar, nem o dos outros”.

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Para frequentar a instituição, salienta a responsável, “é preciso fazer prova que se está numa situação de carência social e financeira. Os nossos serviços são gratuitos e as pessoas têm que necessitar. Depois, são feitos os encaminhamentos para as respostas sociais necessárias, internas e externas. Trabalhamos com todas as áreas de intervenção social, seja a nível da saúde, seja encaminhando para que recebam o rendimento social de inserção, ajudando na organização financeira, pois muitas vezes as pessoas não sabem manusear o dinheiro. É quase o maior problema que temos com os utentes. Recebem o rendimento social de inserção, as baixas reformas e o subsídio de invalidez e fazem uma má gestão. No próprio dia que recebem, já não têm dinheiro para as suas necessidades”.

Um dos serviços mais procurados é o balneário. A APP tem capacidade para trinta banhos das 9 às 11 horas (utente geral) e das 11 às 11h30 para quem frequenta o Atelier Ocupacional. No total são cerca de 40 banhos diários. “Em 2001, implementamos esta resposta social e desde então começamos a incutir hábitos de higiene, nomeadamente aos utentes em situação de sem-abrigo. Não sentiam necessidade de tratar da sua higiene, mas já começaram a habituar-se ao seu banho diário”, diz Luísa Pessanha.

“A APP faculta o vestuário aos utentes, temos o serviço de lavandaria e não se justifica que frequentem o nosso refeitório sem o mínimo de higiene. Foi então que começamos a trabalhar no sentido de mudar a situação. Quando as pessoas não estão capazes, são alertadas para, numa próxima vez, tomarem banho e poderem frequentar o refeitório. Temos que criar uma regra.” A lavandaria cuida da roupa de quem toma banho na instituição e do centro de acolhimento, assim como dos utentes que vivem nos seus quartos, ou casas, mas não têm condições.

No sentido de melhorar e manter o apoio social a instituição recebe donativos e, pela Lei do Mecenato, passa a declaração para benefícios fiscais. A diretora informa também que quem pretender “pode colaborar monetariamente sem gastar”. Explica que basta colocar uma cruz no quadro 9 do anexo H da declaração de IRS e escrever o NIF: 511022859. O valor será entregue pelo Estado à instituição é de 0,5% sobre o IRS de quem participar.

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