A pobreza concreta e a caridade na Madeira

jose-luis-rodrigues-iconÀ falta de valores junta-se a escassez de bens essenciais, pobreza séria.

Vamos a alguns exemplos que refletem bem a situação de milhares de pessoas na nossa terra. A Maria «largada» pelo marido, desempregada, ela e três filhos, um deles, o Miguel, é doente, asmático, somam quatro criaturas dentro de uma casa, que sobrevivem à pala da caridade senão morrem de fome.

A Patrícia outra «largada» do marido, desempregada, não tendo rendimento nenhum não pagou três meses a casa, foi colocada no olho da rua pelo zeloso dono da habitação, novamente a caridade abrigou-a na cada da avó do foragido marido.

O João bate-nos à porta, porque são cinco pessoas dentro de casa sem nada para comer. Para não variar, desempregado, a companheira recebe do seu «precioso» trabalhinho 400 euros, pagam 300 euros da casa, uma garagem adaptada sem condições para abrigar 5 pessoas, sobram 100 euros para luz, água, gás (TV-cabo já se foi ao ar) e comida para cinco pessoas se alimentarem durante um mês. Não será preciso dizer que se senta à mesa a fome nesta casa.

Umas famílias, uns casos entre imensos que nos rodeiam. Uns exemplos concretos, para dizermos de um universo. Antes coisas destas passavam na televisão, era distante a realidade da fome, da miséria… Agora, está à nossa porta, convive connosco, é companheira de imensas famílias na nossa terra. A tragédia da fome anda aí, que nunca imaginávamos que viesse a estar tão perto e que pudesse ameaçar tantas famílias. E pelo andar das coisas, ninguém se pode gabar que não venha a cair neste flagelo.

Vamos a dois aspetos.

Primeiro, porque «nunca houve nem ia haver fome na Madeira» nem muito menos havia pobres. Porque era necessário esconder as misérias para salvar o turismo. O que resultou? – Quase que perdemos o turismo e temos uma avalanche de pragas sobre as costas.

Segundo, os organismos que já existem na Madeira que se dedicam a este trabalho da ajuda aos pobres, cada um circunscrito à sua capelinha, funciona como pequenas ou grandes «empresas» da pobreza. Têm ideias preconcebidas e preconceitos, são instituições fechadas no seu egoísmo, e têm pessoas agarradas a tachos, pouco abertas ao bem comum e nada preocupadas com os pobres. São manifestos desertos com gente que não parece perceber o que é a pobreza e a mentalidade que norteia a condição de ser pobre, por isso, os protagonistas destas instituições, têm uma sede desmesurada de protagonismo e prestam-se a fazer fretes aos poderes estabelecidos da nossa terra. Tornaram-se «empresa» para os pobres, mas sem pobres, a mando dos poderes políticos instalados que se demitiram da solidariedade e da luta pela igualdade. Dói saber que esta caridade pretensamente organizada seja mais um elemento tenebroso de exclusão social.

Entre nós há instituições que se apresentam e se gabam de serem o mais profissionalizantes possível, mas violam o seu carisma e falham na caridade incondicional, porque sobrecarregam as pessoas pobres com burocracias e passam uma imagem que são uma extensão da Segurança Social. Esta caridade oficial ou oficiosa dá para desconfiar.

Alguns perguntarão porque aconteceu isto? – Porque estamos na Madeira e porque temos entre nós uma anarquia total quanto à solidariedade assistencialista. A baralhada das ajudas no 20 de fevereiro é bem reveladora. Há serviços profundamente burocratizados e fechados em capelas que beneficiam quem lá está, ora com emprego garantido e salário, ora aproveitando os donativos para si, para os familiares, os amigos e uns pobres em detrimento de outros.

Quanto aos da Igreja Católica, os que acredito alguma coisa e que funcionam minimamente, são os grupos das Conferências de São Vicente de Paulo, que estão ligados às paróquias e conhecem a realidade como ninguém.

Por fim, acredito ainda mais na caridade anónima, que é, felizmente, uma realidade importante, que vai salvando muita gente. O que é este tipo de caridade? – Aquela que cada um vai fazendo por sua livre iniciativa. São os pais para os filhos, os filhos para os pais, avós para netos, vizinhança entre si e algumas empresas.