
Doutorada em Educação, Liliana Rodrigues era um dos rostos conhecidos da Universidade da Madeira. A licenciatura em filosofia levou-a a dar aulas no ensino secundária e a conhecer a realidade das escolas da Madeira. Estudou a fundo o ensino profissional, em cotejo com a realidade europeia, e travou polémicas na política regional por esta causa. Com teses de doutoramento para orientar sobre a secretária e outros cursos para coordenar, o bichinho da política a atiçá-la cada vez mais para outros voos foi mais forte. É eleita deputada ao Parlamento Europeu, no último sufrágio, pelas listas do PS. Foi a grande novidade nesta corrida. Interrompeu a vida académica para estudar os dossiers sobre política europeia e assume o lugar integrada no Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no PE. A convite do Funchal Notícias, faz o balanço a estes meses de estreia em Estrasburgo, fala de causas e convicções, muito em sintonia com a filosofia que ensina, tudo mesclado com a alma de professora que está sempre latente.
Funchal Notícias – Qual é o balanço que faz a estes primeiros meses como eurodeputada no Parlamento Europeu, eleita nas listas do PS?
Liliana Rodrigues – Estes sete meses de trabalho passaram, num primeiro momento, por uma curta adaptação. Depois seguiu-se a fase de se inteirar das pastas. Creio que o balanço é francamente positivo. Claro que ser juiz em causa própria é complicado, mas tenho feito aquilo que me parece ser melhor para a Europa, para Portugal e, de forma muito especial, para a Madeira.
FN – O que mais a desiludiu até este momento?
LR – Não há tempo para desilusões. Mas uma das coisas que mais me custou foi ver a nomeação e respetiva indigitação de alguns comissários da Comissão Europeia e, em última análise, escolhidos por Juncker. O caso da Cultura e da Educação foi, para mim o caso mais gritante. Ver alguém que não acredita no projeto europeu à frente de uma pasta que deveria (porque acredito que é) ser a base da identidade europeia. Depois tivemos o comissário espanhol que demonstrou, publicamente, a sua visão discriminatória em relação às mulheres. Claro que existiam mais casos, mas estas foram as minhas maiores desilusões.
FN – É relatora de alguns dossiers. Quais? Como encara este trabalho?
LR – Tenho, neste momento, alguns relatórios. Um já foi entregue. Era sobre os direitos das mulheres como direitos humanos e a necessária proteção de mulheres e crianças que são usadas como armas de guerra. Há tanta crueldade neste mundo e temos de garantir a proteção daqueles que são mais vulneráveis.
Temos, entre outros, um relatório importante que vai ser apresentado já na próxima semana na comissão sobre o “Empoderamento das raparigas através da educação” e este é um relatório bastante trabalhoso mas que me está a dar uma profunda satisfação. Sendo eu especialista na área sinto que este é um domínio a ser mais acarinhado pela Europa. Temos ainda uma Europa que discrimina, uma Europa sexista, uma Europa onde há mais mulheres formadas com educação superior mas que ocupam cargos intermédios e estamos longe dos tais 40% de mulheres a ocuparem lugares de topo. Temos uma Europa onde as mulheres ganham menos que os homens, uma Europa que devia se envergonhar dos números de violência sobre as mulheres. Uma em cada três mulheres sofre de algum tipo de violência. E só pela educação se pode transformar esta Europa. Este problema é de homens e mulheres que acreditam na democracia, na igualdade e na equidade.
Um outro relatório e que já está pronto, será entregue na Comissão dos Direitos do Homem. É um relatório sobre o comércio de armas e de instrumentos usados para tortura e pena de morte.
Iremos seguir com mais relatórios e a aposta está numa outra área, muito distinta da Comissão dos Direitos das Mulheres e da Comissão dos Direitos do Homem que é a Comissão de Desenvolvimento Regional. Nesta comissão estão grandes desafios e é aquela a que me dedico mais em termos de estudo (o que é natural, pois é para mim uma área nova de intervenção.
No domínio da Cultura, não estou com nenhum relatório mas com um projeto que engloba diversos países. A minha vice-presidência no EUROMED fez-me olhar para culturas muito diferentes da europeia e da portuguesa, particularmente. Estou a trabalhar num projecto cultural com a Albânia, Argélia, Egipto, Israel, Jordânia, Líbano, Marrocos, Mauritânia, Palestina, Síria, Tunísia e Turquia. Este está a ser um projeto muito trabalhoso mas que vale a pena. Levará o seu tempo a ser concluído mas já não está assim tão longe de ser finalizado. A execução terá que ser cuidadosa, até porque são países muito diferentes e com sensibilidades distintas, tal como nós. O mais importante é manter a relação e ligação com a Europa e os países do Mediterrâneo.
O trabalho de relatora é um trabalho que me apraz particularmente, pois remete para a investigação, para o diálogo entre todas as forças políticas. É um processo de investigação, negociação e de busca de consensos.

FN – Com que dificuldades se tem confrontado no exercício destas funções?
LR – Há sempre dificuldades mas também existem pequenas vitórias. Vi integrado no texto final do Partido Socialista Europeu diversas ideias minhas e que foram discutidas durante a campanha. Por vezes a burocracia é tão grande que nos afogamos em papéis. Por outro lado, há uma boa relação entre as instituições europeias. Acabámos de ter uma reunião com a Comissão Europeia a propósito da proibição da pesca do peixe gata, que tanto afeta a Madeira e os nossos pescadores, e fiquei positivamente surpreendida com a abertura da comissão. Pediram pareceres científicos que já tenho em mão (já tinha pedido à Universidade da Madeira) e que amanhã mesmo irei reencaminhar para os serviços da comissão.
Mas continuo a ter alguma dificuldade em lidar com a disciplina de grupo, que teoricamente não existe. Um deputado eleito serve a Europa. É isto que prevê o código de conduta dos deputados do Parlamento Europeu. A minha independência de espírito e de ideias por vezes colide com a visão geral. Outras vezes não. O mais importante é saber que decido pensando nas pessoas. Foi para isso que fui eleita.
Portanto, continuo a pensar e a refletir bem sobre as minhas decisões e antes de votar seja o que for pergunto-me sempre: “o que é melhor para a Europa? Para o meu país? Para a minha terra?”. Outras e tantas vezes, recorro a amigos que tenho na Madeira e eles refletem comigo quando preciso e não há ninguém como eles para me aconselhar. Mantenho uma forte ligação à Madeira e, naturalmente, uma das dificuldades é ter a família e amigos menos perto fisicamente.
FN – Como tem sido a sua relação com os demais eurodeputados portugueses?
LR –Tenho uma excelente relação com todos os deputados dos diversos grupos políticos. Não há muito a dizer sobre isso. Há um sentimento de cooperação bastante grande. E mesmo na divergência a discussão é nivelada por cima. E também isso é uma aprendizagem.
FN – Prefere mais ser professora universitária ou eurodeputada?
LR – São trabalhos diferentes, mas têm em comum a investigação. Devo confessar que, sempre que é possível, peço a um ou outro colega para me deixar dar uma aula. Sábado passado foram os meus ex-alunos de mestrado que me convidaram para uma conferência na Universidade da Madeira. Acabou por ser o dar uma aula. Não me desliguei nem vou desligar da Universidade e da Investigação.
A verdade é que quando se é professor, é para o resto da vida. Mesmo que se desempenhe outras funções.

FN – Como comenta as próximas eleiçoes regionais na Madeira e a candidatura de 17 partidos?
LR – Espero que exista uma efectiva mudança. Parece-me que não se pode falar de pluralismo e depois dizer que são muitos partidos. São 12 candidaturas e isso representa a variedade de posições e de ideias sobre o que se quer para a Madeira. Não vejo nisso uma fraqueza mas uma riqueza de perspectivas.
FN – Consta que o Laboratório de Ideias do PS, coordenado por si, está em “banho Maria”. Qual é o contributo para o programa de governo da coligação Mudança?
LR – O Laboratório de Ideias (LI-M), tal como na campanha para as autárquicas, parou as suas atividades o que não significa que não se reúna, se assim for útil ao Partido Socialista. Não faz sentido a sobreposição de atividades quando estamos em campanha.
Em relação ao contributo do LI-M, ele foi dado, pelos coordenadores, através de diversas ideias colocadas em papel e que foram entregues ao Presidente do Partido Socialista, Victor Freitas, no início de Janeiro. Os contributos incidiram nas áreas de intervenção do LI-M que eram e são áreas prioritárias do Partido Socialista.
FN – Como articula a sua vida entre a Madeira e Estrasburgo?
LR – Madeira, Estrasburgo e Bruxelas. Tento ir à Madeira sempre que posso e aí tento conversar com as pessoas. E claro, estar com a minha família e os meus amigos. Mas quando o volume de trabalho é muito, como o caso deste mês, fico por Bruxelas a trabalhar. Não é complicado articular quando se tem vontade. E quando se sabe o que se quer.
