Sobre o jovem madeirense detido na Indonésia: A diferença entre a realidade, a solidariedade, os estados de alma e a fé

Não conheço nem o Rui Óscar nem o Rui Viana. Apenas ouvi falar de uma história sobre um jovem madeirense que tinha sido detido em Jacarta, na Indonésia, com um produto que se suspeita ser dois quilos de cocaína.

Convém aqui aclarar três coisas:

Primeiro, não vale a pena rebuscar sentimentos de “madeirensidade” ou “portugalidade” para, em jeito de coitadinho, apelar à clemência. A Justiça da Indonésia há-de fazer o seu caminho e há-se determinar o que tiver por conveniente. O Estado português não tem direito a interferir na ordem jurídica interna da Indonésia.

Que se saiba, com a Indonésia, o Estado Português tem apenas celebrados protocolos em matéria de Timor-Leste; Dupla Tributação e Prevenção da Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento; Isenção de Vistos em Estadas de Curta Duração para Titulares de Passaportes Diplomáticos, de Serviço e Especiais; Cooperação Económica; e Educação, Ciência e Tecnologia, Cultura, Turismo, Juventude, Desporto e Comunicação Social.

Existe também um Acordo Quadro Global de Parceria e Cooperação entre a Comunidade Europeia e os Seus Estados Membros, por um lado, e a República da Indonésia, por outro, incluindo a Acta Final com declarações.

E é apenas no âmbito deste Acordo Global no seio da União Europeia que a porta, em matéria de Justiça, pode ficar entre-aberta.

Um dos temas desse acordo é a justiça, com ênfase em várias questões, nomeadamente: combate à criminalidade internacional organizada e corrupção, luta contra o branqueamento de capitais e drogas ilícitas.

Mas, ainda assim, o Acordo apenas consagra uma “abordagem abrangente e equilibrada” em matéria de cooperação na luta contra as drogas ilícitas. Não há interferências mútuas entre a UE e a Indonésia em matéria de repressão do tráfico de droga.

O que há é a consagração de um princípio genérico em que as partes se comprometem a cooperar “sobre questões relacionadas com o desenvolvimento dos respectivos sistemas jurídicos, legislação e instituições judiciárias, incluindo sobre a respectiva eficácia, em especial mediante o intercâmbio de pontos de vista e de conhecimentos e o reforço das capacidades. No âmbito dos seus poderes e competências, as Partes devem envidar esforços para prestar assistência jurídica mútua em matéria penal e de extradição”.

Em matéria de cooperação jurídica, está também escrito que “as Partes reafirmam que os crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional no seu conjunto não podem ficar impunes e que aqueles que são acusados desses crimes devem ser julgados e, se forem considerados culpados, devidamente punidos”.

Em segundo lugar, o ordenamento jurídico-penal da Indonésia prevê a prisão perpétua e até a pena de morte por fuzilamento para quem trafica droga. Mas essa é a moldura penal máxima. É certo que a Indonésia é um dos 33 países no mundo que utilizam pena de morte para pessoas que cometem crimes relacionados com as drogas.

Mas não vale a pena especular, por agora, sobre o que arrisca o jovem madeirense Rui Viana. Até porque, há bem pouco tempo, uma jovem brasileira de 19 anos foi condenada a 11 anos de prisão por tentar entrar no país com três quilos de cocaína.

Em terceiro lugar, a diplomacia faz-se entre Estados. Há regras sobre a não intromissão na ordem jurídica interna, há regras sobre diplomacia e há Direitos Humanos. Sobre este último, o apelo só pode ser ao Direito àVida (contra a pena de morte) consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Mas pouco mais. Até porque há Estados nos EUA que também têm pena de morte. E poucos se indignam contra tal prática, a não ser que a onda bata nas suas nádegas ou de quem lhe está próximo.

No mais, as autoriridades regionais da Madeira valem muitíssimo pouco nesta matéria. Podemos ser solidários, subscrever a Declaração Universal dos Direitos do Homem, exprimir estados de alma e ter fé. Mas nada mais do que isso.