Assunto arrumado?

As confissões/acusações que Sérgio Marques resolveu revisitar nas declarações que prestou ao “DN” lisboeta e que vieram a público no passado domingo não constituem novidade.

De há muito que partidos políticos da oposição e cidadãos vêm denunciando a promiscuidade entre o poder político e o poder económico que caracteriza a governação regional e o despesismo e o desbaratar de dinheiros públicos que culminaram na denominada dívida “oculta”. E também é verdade que aquando da disputa interna que conduziu à sucessão do auto-intitulado “único importante” predominou o lavar de “roupa suja” do designado jardinismo.

Alguém tém dúvidas sobre o poder dos grupos económicos que cresceram sob a asa protectora da Rua dos Netos e da Quinta Vigia?

Não foi por acaso que os custos da operação portuária na Região deixaram de constar da agenda político-partidária e dos media entretanto comprados por dois dos principais grupos económicos sediados localmente. Como também não foi por acaso que em 2017 quando Miguel Albuquerque procedeu a mudanças na composição do respectivo elenco governativo, o actual edil funchalense se transferiu de armas e bagagens directamente de um desses grupos para a vice-presidência, acumulando com a pasta das finanças. Como não foi igualmente por acaso que simultaneamente com essa alteração regressou a aposta na política do betão e do alcatrão a todo o vapor.

De resto, para quem gosta de enaltecer o mérito da designada “Madeira Nova” versus “Madeira Velha” há uma constante que não mudou: no tempo da outra senhora, eram os ingleses que no plano regional condicionavam o poder político de então, quase meio século volvido os novos senhores são os agora “donos disto tudo”, a que o poder político regional se submete.

Por outro lado, alguém duvida da existência de obras “inventadas” ou “não prioritárias”? A questão é bem mais grave, na medida em que foram realizadas obras que não têm qualquer utilidade e que se encontram pura e simplesmente ao abandono. Há quem pretenda reduzir tudo isto à famigerada Marina do Lugar de Baixo, mas não faltam muitos outros exemplos: desde um heliporto que nunca funcionou, piscinas, centros cívicos, fóruns, campos de futebol sem utilização;  investimentos como os projectos de microalgas e do Penedo do Sono que sugaram milhões e milhões de euros ao erário público e derrapagens orçamentais de que o exemplo mais paradigmático é o célebre Museu da Baleia, cujo custo final superou em mais de mil por cento o inicialmente orçamentado!

Na aludida peça, quer Sérgio Marques, mas também Miguel de Sousa, também ele antigo secretário regional, não pouparam nas palavras. O 1º fala em “investimento louco que foi feito pelas sociedades de desenvolvimento”. O 2º é ainda mais contundente: “Fizeram tudo o que era pensável e impensável, o necessário e o desnecessário, o que nunca vai ser preciso, o que nunca ficou pronto nem vai ficar pronto, foi um esbanjar de recursos financeiros que não tínhamos”, acrescentando: “Pegaram em 15 mil milhões de euros, e quase metade foi dívida, e gastam-no em 10 anos! Ninguém fazia contas, toda a gente autorizava tudo (…) E pronto, a Madeira foi à bancarrota. E ainda hoje temos essa dívida”.

Importa, porém, não esquecer que nem um nem outro tiveram a coragem de, em devido tempo, dar conta do descalabro reinante ou se demarcar do rumo prosseguido. Mantiveram-se impávidos e serenos, como se nada de extraordinariamente grave se estivesse a passar à frente dos seus olhos. Só abriram a boca quando a criatura estava de saída.

E quer um quer outro continuaram a usufruir das benesses do poder. Um (Miguel de Sousa) manteve-se até ao fim como vice-presidente do parlamento regional, enquanto que o outro (Sérgio Marques), afastado do governo, não prescindiu de voltar à ribalta como deputado da República. Enfim, continuaram a tratar da sua vidinha e meteram a coerência debaixo do tapete. E, para cúmulo, Miguel de Sousa tem a lata de classificar o dito cujo de “herói da autonomia” (Safa!) – com o historial por demais conhecido é mais coveiro do que outra coisa.

Percebe-se o incómodo com que as hostes laranjas reagiram ao vindo a público. Houve de tudo um pouco: quem não quisesse pura e simplesmente falar; quem recorresse aos “casos e casinhos” que agitam no plano nacional o seu principal adversário político para procurar subverter e desviar a discussão e quem tentasse decretar num ápice o assunto como “arrumado”.

É evidente que dispondo de uma maioria parlamentar o poder político regional tudo fará para não sair chamuscado do inquérito que foi anunciado. Mas, convenhamos, há lenha suficiente para poder sair queimado. Sobretudo se os acusadores forem consequentes com as declarações entretanto prestadas.

E já agora uma pergunta final: o Ministério Público procedeu a alguma diligência na sequência de uma outra acusação formulada pelo já citado 1º vice-presidente do governo regional que em 2017 referiu-se, nos jornais locais, a um seu correligionário de partido nestes termos: (cito) “Todos os negócios tinham de ser dele. Ou pelo menos dez por cento se fossem grandes empreitadas (…) Era tudo dinheiro para o partido. Só que o partido está falido e o homem está rico!” (fim de citação)?  Se a resposta for não, será a confirmação de que por estas bandas a justiça mantém-se “cega”.

* por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.

Post-Scriptum: 1) Investimento:  Saber-se que as Câmaras Municipais da Região gastam em cultura menos de metade do que no País é um claro indicador de como por cá não se valoriza este importante sector da vida colectiva.

2) Hipocrisia: Há gente sem um pingo de vergonha. Depois de em vida ter hostilizado o Padre António Ramos, subscritor da Carta a um Governador, impedindo-o em 1978 que fizesse parte do Conselho Directivo da Escola Preparatória da Ribeira Brava, o caudilho veio elogiá-lo após a sua morte. Um completo descaramento.

3) Megalomania: Ao longo dos tempos o poder político regional tem-se fartado de procurar elevar o serviço regional de saúde a uma espécie de modelo de virtudes. Eis que o actual director clínico do SESARAM resolveu subir a parada: anunciou que não falta gente por esse mundo a pedir uma 2ª opinião aos serviços do Hospital! Consta que os seus contactos telefónicos e digitais entupiram e que há charters a caminho!