José Manuel Rodrigues: “Quem trabalha não pode ser pobre”

 

José Manuel Rodrigues salienta hoje, em discurso proferido no Dia da Região, perante altas entidades civis, militares e religiosas, que é inaceitável “a degradação da qualidade de vida da classe média, em Portugal”, que, diz, “não é de hoje”, mas agrava-se. Por outro lado, deixa claro não desejar que a Madeira se transforme numa região “resort” para os ricos, e um “gueto” para quem não consegue pagar o custo de vida. Preocupações que já ontem antecipava, em entrevista ao FN.

“Os números mais recentes indicam que Portugal tem dos salários mais baixos da União Europeia e dos impostos mais altos, e que, na última década, o rendimento das pessoas da classe média não acompanhou a subida dos preços, sendo que a perda do seu poder de compra foi superior a 10 por cento. No caso dos mais jovens, a tendência é mais grave, pois quanto mais qualificados, maior a perda de salário, com uma diminuição de 15 por cento na perda real do seu vencimento, nos últimos anos”, refere.

“A seguir neste caminho, continuaremos a ver os nossos jovens capacitados a abandonarem o seu país e veremos acentuarem-se as desigualdades na nossa sociedade”, lamenta o presidente do parlamento madeirense.

O aumento acentuado do custo de vida na Região, potenciado pelo boom em determinados sectores da economia e pela inflação, “está a criar enormes problemas aos residentes da classe média e aos que auferem menores rendimentos ou recebem pensões muito baixas”, aponta.

José Manuel Rodrigues entende que “as famílias mais carenciadas estão, e bem, amparadas com um conjunto de isenções ou reduções de pagamentos de taxas e serviços,  beneficiando de ajuda alimentar e de apoios sociais, seja da segurança social ou do Governo e autarquias”. Porém, alerta para o facto de que a classe média, “a quem se exige que suporte tudo, é a mais desprotegida e ameaçada perante esta nova realidade da subida dos juros e da escalada dos preços dos bens e dos serviços”.

“Não podemos deixar empobrecer a classe média nem esquecer que esta é a base de qualquer sociedade, e é a garante da estabilidade social, condição primeira para o investimento, o crescimento e o desenvolvimento”, sublinha.

O parlamentar considera que o grande desafio que se coloca à governação regional “é saber como conciliar este crescimento, absolutamente surpreendente e positivo, do turismo, do imobiliário e do digital, com a manutenção, imperiosa e justa, do poder de compra e da qualidade de vida dos madeirenses”.

“Não queremos uma ilha refúgio, qual resort, onde quem tem muito dinheiro se sente bem e seguro, e depois uma ilha gueto, onde os naturais não conseguem acompanhar o aumento do custo de vida, nem conseguem aceder a bens essenciais como uma habitação, sentindo-se estranhos na sua própria terra”, aponta.

“Julgo que temos condições para ultrapassar este problema, se actuarmos na redução dos impostos sobre o trabalho, como tem vindo a ser feito na Região, e deve ser prosseguido nos próximos anos, se avançarmos para um mercado laboral com salários indexados à produtividade e ao crescimento dos diversos sectores económicos e se aumentarmos as reformas mais baixas”, prossegue, no seu discurso de hoje.

“Não podemos continuar a ser um país de salários mínimos e de pensões de miséria! Não podemos ter milhares de pessoas que trabalham e o ordenado que ganham não ser suficiente para pagar as suas despesas mensais, remetendo-as para as estatísticas da pobreza, e pior, condenando-as à insuficiência económica. Quem trabalha não pode ser pobre”, sentencia José Manuel Rodrigues.

“Se uns querem se arrastar no miserabilismo e no conformismo, a Madeira dever ter a aspiração de criar riqueza e de elevar as condições de vida dos seus cidadãos. Se alguns querem continuar a empobrecer a classe média, degradando salários e poder de compra, a Madeira deve pugnar pela sua valorização e elevação social”, contrapõe. E acrescenta: “Se outros se contentam em estar na cauda da Europa, a Madeira deve ter a ambição de estar entre as regiões mais desenvolvidas da União Europeia”.

Na sua alocução, o presidente da Assembleia Legislativa da Madeira evocou  o descobrimento da Madeira e a expansão pelo Mundo.

“Essa luta continua, porque apesar de termos conquistado, há quase meio século, o direito à Autonomia, e de termos sabido governar e desenvolver as nossas ilhas, num processo sem paralelo na nossa História, a verdade é que estamos longe de ter a Autonomia que ambicionamos e de que precisamos para prosseguir o trabalho de erguer uma terra com oportunidades para todos os seus filhos”, considera.

Saudando a diáspora madeirense pelo mundo, o orador deixa uma palavra particular para as gerações que já nasceram nos países de acolhimento, “que aí também vão construindo a Madeira, prolongando a nossa epopeia global, que têm carreiras notáveis nos meios políticos, económicos, científicos e académicos, mas que têm igualmente um enorme orgulho na terra dos seus pais e que se sentem madeirenses de pleno direito”.

“Contamos com todos eles para alcançarmos mais Autonomia e termos uma Região com mais poder de decisão, para podermos construir uma terra mais justa, mais rica e com mais oportunidades para todos”.

“E para alcançarmos mais Autonomia pugnamos por uma revisão constitucional que amplie os poderes legislativos da Região, acabando com equívocos geradores de conflitos institucionais e de visões restritivas das nossas competências e desejamos uma nova Lei de Finanças que corrija as injustiças da crescente falta de solidariedade nacional, da ausência de cobertura dos custos de insularidade e dos custos de soberania por parte do Estado, como acontece na Educação e na Saúde”.

“Há dez anos, os valores das transferências da República para as Regiões Autónomas representavam 0.73 por cento do total das despesas do Orçamento do Estado. Hoje, representam apenas 0.64 por cento, apesar das despesas do Estado subirem todos os anos. Por aqui se vê que há uma crescente desresponsabilização do Estado no apoio aos portugueses das ilhas”, critica, considerando que “não podemos adiar mais a revisão do modelo de financiamento das Autonomias”.

E insiste que “o Terreiro do Paço” deve saber que “deste lado, está um povo que não se resigna ao centralismo nem se verga  aos centralistas”.

“Deste lado, está um povo disposto a ir até às últimas consequências para atingir o que é justo e é seu Direito – o Direito de mandar na sua própria terra e no seu legítimo futuro”.

Traçando um quadro com “nuvens negras” no que ao futuro diz respeito, José Manuel refere que se prevê “uma inflação galopante, uma subida das taxas de juro, um choque energético, com alta de preços, uma crise alimentar e um clima económico recheado de imprevisibilidade”, tudo isto tendo como pano de fundo a guerra na Ucrânia.

“É certo que a Madeira não pode passar ao lado da tempestade anunciada, dada a sua economia aberta ao exterior, mas é igualmente verdade que o facto de o turismo ser um dos sectores em mais célere e franca recuperação abre boas perspectivas ao nosso crescimento económico”, consola-se José Manuel.

Para ele, é inegável que há três sectores na Região que revelam uma pujança assinalável: o turismo, que recuperou e está no melhor nível de sempre, com números recordes de ocupação e de receitas; a área do imobiliário,  que disparou para valores inimagináveis, dada a procura da nossa ilha por estrangeiros e, também, devido ao investimento de emigrantes; e finalmente, o crescimento das empresas tecnológicas e digitais, que se assumem como a vanguarda da nossa economia”.