Ireneu Barreto lembrou e elogiou ontem a figura de Manuel Pestana dos Reis

foto R. Marote

A polémica sobre a justeza e a oportunidade de a Assembleia Legislativa da Madeira, conhecida como a “Casa da Democracia”, ter albergado ontem o lançamento de um livro de um adepto ferrenho do regime salazarista, Manuel Pestana dos Reis, foi lançada ontem na sua página pessoal no facebook pelo historiador Nelson Veríssimo, nosso colaborador de opinião. Algo de que o FN também fez eco. Mas o representante da República para a Madeira, Ireneu Barreto, só teve ontem palavras positivas para classificar o madeirense, na dita cerimónia de lançamento do livro. O Funchal Notícias, por considerar pertinente no momento, transcreve o discurso daquele dignitário:

“A minha relação com o Dr. Pestana Reis remonta aos anos 50 do século passado”, recordou o juiz conselheiro. “Em 1953, o Dr. Pestana Reis, após uma intensa vida em diversas áreas, no Continente, regressa à Madeira para se ocupar do património familiar, onde se incluía uma sociedade de grande distribuição, sediada na Ponta do Sol, a “Marques Teixeira, Lda.”. O meu pai era então o gerente dessa empresa; entre os dois cedo se estabeleceu uma relação de grande confiança, o que permitiu que o Dr. Pestana Reis aceitasse ser meu padrinho de Crisma”, lembrou.

“Recordo-o impecavelmente vestido, de chapéu e gravata, de uma enorme simpatia no olhar. E, apetece-me dizê-lo na presença do seu neto, o senhor Engenheiro Pedro Pestana Reis, aparentava ser um Homem bom na sensibilidade das palavras e dos conselhos que me prodigou. A partir daquele momento, sempre se interessou pelos meus estudos liceais e universitários. Lembro-me, por exemplo, que cheguei a Coimbra com uma sua carta de recomendação ao Arcebispo-Bispo Conde, D Ernesto Sena de Oliveira”, disse na ocasião.

Ireneu Barreto disse que, nessa altura, “não dominava verdadeiramente o seu papel no movimento autonómico associado às Comemorações do V Centenário dos Descobrimentos da Madeira e do Porto Santo no início da década de 20 do Século passado (1922-23). Só muito mais tarde, já Representante da República, ao preparar uma exposição ao curso de Auditores de Defesa Nacional, pude aprofundar o texto de Pestana Reis e, confesso, fiquei fascinado pela clareza das ideias e dos propósitos ali assumidos”.

“É o primeiro e único texto até essa época a defender uma autonomia político-legislativa para a Região, aspirando a um tempo novo que pusesse fim à estagnação económica e social potenciada pela desordem então vivida na Iª República”, afirmou. [Algo que é, todavia, contestado por certos historiadores e académicos].

“Pestana Reis não estava sozinho; tinha com ele um grupo de notáveis intelectuais e políticos suportados por essa figura controversa que era Luís Vieira de Castro. Luís Vieira de Castro, através do “Jornal da Madeira”, de que era director e proprietário, protagonizou inicialmente esse movimento autonomista, prometendo um debate de ideias com vista à criação das bases orgânicas da futura autonomia da Madeira. Vieira de Castro foi mesmo acusado de ser um dos instigadores da Revolta da Farinha de 1931, estando por detrás dos tumultos populares de Fevereiro desse ano; porém, a sua atitude perante a Revolta da Madeira, quando suspendeu o seu jornal, por se recusar a publicar as notas oficiosas emanadas pela Junta Revolucionária e não aderir à Revolta, levantou suspeições sobre o seu “regionalismo”, pois, segundo alguns, só seria regionalista para defender os seus interesses”, disse Ireneu Barreto.

“E desculpem-me ter sempre presente o lugar que me viu nascer, para evidenciar, de entre os elementos que alimentavam essa campanha autonomista, o Padre João Vieira Caetano, falecido na Ponta do Sol em 1967, onde paroquiou durante largos anos. Esta personalidade singular, defensor ao tempo do nacional-sindicalismo, fundou e dirigiu o semanário “Brado d’Oeste” e participou activamente no referido movimento dos anos vinte”, declarou.

“Gostaria de sublinhar o entusiasmo com que foi vivido aquilo que alguns consideram o último debate pela autonomia sempre alicerçado em dificuldades de ordem económica e num certo sentimento de orfandade em relação ao poder central, na imagem de um povo sofredor e abandonado pela pátria madrasta, conjugados com a possibilidade de um governo próximo e eficiente, capaz de solucionar os principais problemas dos madeirenses”, disse o representante da República.

“Mas, como lembra Alberto Vieira, – (ao invocar Alberto Vieira,  permitam-me um parênteses para saudar os historiadores que se ocuparam a estudar este período e, de um modo geral, a todos aqueles que se têm debruçado sobre a História da minha Terra, pois são eles que impedem que o esquecimento prevaleça sobre os factos e os tempos determinantes e colocam em relevo uma História que nos pertence e da qual nos devemos orgulhar) -, voltando a  Alberto Vieira, este constatou que todos aqueles ideais perderam vigor face ao deslumbramento desencadeado pelo golpe militar de 1926. Com efeito, a grande maioria dos intervenientes naquele movimento autonomista, incluindo Pestana Reis, passou rapidamente a sustentar as ideias emergentes do chamado “Estado Novo””, admitiu.

De qualquer modo, os autonomistas dos anos vinte do século passado amavam a sua Terra, preocupavam-se com a situação difícil dos seus conterrâneos e pugnavam pelos seus legítimos interesses e aspirações, garantiu o Representante.

“Pode afirmar-se que, desde sempre, a barreira geográfica, as dificuldades e a tardia resposta das autoridades centrais contribuíram para alicerçar o sentimento autonómico. Acresce que o debate político-institucional ao longo do século XX está em relação directa com os problemas económico-financeiros, mesmo por aqueles que se podem considerar afetos ao “Estado Novo”, como Quirino de Jesus que propugnava por uma autonomia da Madeira de raiz económico-financeira. Aceite-se que as condições socio-política, económica e financeira sempre pesaram de há muito e de forma clara no debate político sobre a autonomia. Já Pestana Reis proclamava: “o produto do nosso trabalho, das nossas riquezas deve ser aplicado em nosso proveito”!

E, durante o século XX, continua a ser a mesma preocupação com a situação económica e social aliada a questão da autonomia administrativa mais do que a questão da autonomia política, como se pode constatar quando, em Abril de 1969, um grupo de madeirenses dirigiu ao então Governador Civil a “Carta a um Governador” na qual, destacando o facto de “se poder afirmar, sem receios de qualquer exagero, encontrar-se a Madeira no limiar de uma das maiores crises económicas da sua História”, se aludiu à natureza “meramente nominal” da autonomia vertida no Estatuto do Distrito Autónomo de 39/40, autonomia essa “altamente condicionada e fiscalizada, totalmente sujeita à política do governo central”, prosseguiu.

“A 20 de outubro de 1922, lia-se no Diário de Notícias: “no dia em que for decretada a completa autonomia deste distrito, ter-se-á descoberto a Madeira pela segunda vez”.

“Mas, desde essa data, muita água correria sob as nossas pontes até “aquele dia inicial, inteiro e limpo” que nos devolveu a liberdade, a democracia e o Estado de direito democrático e, com ele, uma das mais belas conquistas de Abril: as Regiões Autónomas.

A Madeira foi então descoberta pela segunda vez!

Mas o caminho da autonomia é evolutivo, complexo e não finito.

Esse caminho deve realizado numa sã relação institucional entre as Regiões e o Poder central, onde as legítimas aspirações das Regiões sejam harmonizadas com o todo nacional.

E deve ser um desígnio de todos os madeirenses e porto-santenses que amam a nossa Região, que vivem os seus problemas e anseiam minimizá-los, pois, como já diz o Poeta:

“De Norte a Sul, de Leste a Oeste, a Ilha é una.

A mesma voz nos une e essa voz é nossa

E cada um por si será por todos nós”, concluiu Ireneu Cabral Barreto.