Faz hoje 500 anos…

Faz hoje 500 anos que a Câmara Municipal elegeu Santiago Menor como padroeiro do Funchal. Vivia-se um tempo difícil, de peste e fome. A medicina era incipiente ou inexistente. A edilidade sentia-se incapaz perante a epidemia, a morte, a falta de pão e a insegurança. Decidiu então recorrer à ajuda divina.

Na mesa da vereação, procedeu-se ao sorteio, em 8 de Junho de 1521. João, um menino de 6 ou 7 anos foi chamado à presença das autoridades camarárias, a fim de tirar, de um barrete, um dos quinze papéis com os nomes de Cristo, Maria, João Baptista e os doze apóstolos. Saiu Santiago Menor. Logo os oficiais camarários determinaram construir uma igreja com a sua invocação. Santiago é proclamado «intercessor e advogado ao Senhor Deus pelo povo desta cidade», para que, por seus rogos e preces, se extinguisse a peste.

Esta deliberação camarária, registada em acta, tem de ser interpretada à luz do tempo. Os primeiros casos de peste foram conhecidos em 17 de Março. Diariamente morriam 25 a 30 pessoas. Faleceram mais de 1600 doentes. Por falta de cereal, havia fome. Durante três dias faltou o pão. Se, em finais de Maio, não tivesse aportado na baía um navio carregado com trigo, enviado pelo rei, a situação seria dramática. A Câmara tomou medidas para evitar o contágio, isolando doentes e impondo restrições à circulação. Muitos moradores deslocaram-se para fora do Funchal, em busca de «bons ares». Mas não diminuía o número de infectados.

Numa época marcada pela omnipresença da Igreja Católica no quotidiano, acreditava-se que a peste era castigo de Deus, pelo mal dos pecados. Perante a calamidade, só a fé alimentava a esperança.

Repetia-se a prece imemorial de Isaías: «E agora, Senhor, Tu és nosso pai / E nós somos barro; todos somos / Obra das tuas mãos. / Não te encolerizes de mais contra nós / E não Te lembres, em tempo, dos nossos erros. / E agora olha para nós, / Porque todos somos o Teu povo.» (Is 64,7-8)

Os oficiais do concelho tomaram, por conseguinte, a iniciativa de, em vereação, proceder à escolha de um padroeiro, para que Deus levantasse o mal da peste que destruía o Funchal. Santiago seria o «rogador a Nosso Senhor pelo povo da cidade».

SANTIAGO MENOR, SÉ DO FUNCHAL. FOTO: DUARTE GOMES, 1 DE MAIO DE 2020.

Não se trata, pois, de, em primeira instância, uma diligência do clero funchalense, mas, sim, do poder municipal que, de imediato, dela deu conhecimento ao deão da Sé. A aplaudir a resolução da Câmara, repicaram os sinos da catedral e dos mosteiros de São Francisco e de Santa Clara.

Este voto será reafirmado em 1523, 1538 e 1632. A partir de 1523, deixa de ser somente um compromisso dos oficiais da Câmara e da cidade, mas também do deão e cabido, em nome da clerezia da Sé e do Funchal.

Na verdade, numa assembleia realizada na Catedral, em 24 de janeiro de 1523, com a presença do capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara, oficiais da Câmara, representantes dos mesteres, homens da governança e povo, deão e cabido da Sé, ficou determinado “de para sempre em cada um ano deste mundo”, venerarem e festejarem o glorioso Santiago Menor, no dia 1 de Maio, com procissão que sairia da Sé e dirigir-se-ia à casa do padroeiro, onde se faria missa solene. Mais acordaram que esta procissão se guiasse pelo ritual da do Corpus Christi, a mais imponente da Igreja Católica, na época.

Em quase todos os anos, dos últimos 500, o Funchal honrou a promessa a Santiago Menor, organizando, em cada 1.º de Maio, a procissão que saía da Sé e se dirigia à Igreja de Santiago, hoje mais conhecida por Igreja do Socorro, devoção mariana ali introduzida no século XVII, ou de Santa Maria Maior, porque, depois da aluvião de 1803, passou a ser sede desta freguesia, por deferência da Câmara Municipal do Funchal, proprietária do imóvel.

Assinala-se hoje o quingentésimo aniversário do voto a Santiago Menor. Cabe à Câmara e à Diocese honrá-lo e dar-lhe cumprimento integral. Pela tradição ou pela fé, mas com dignidade, merece o relevo devido pela ancestralidade, no calendário festivo do Funchal.