A minha confissão (política)…

Rui Marote
As eleições autárquicas estão à porta. Fui autarca nas primeiras eleições após o 25 de Abril à Assembleia de Freguesia de Santa Maria Maior, sendo eleito vogal para um mandato de três anos. No subsequente acto eleitoral estive quatro anos na Assembleia Municipal da Câmara do Funchal, edilidade presidida por Sá Fernandes.
Voltei em dois mandatos, na presidência de João Dantas, e por último, num mandato de Miguel Albuquerque.
Em 2001 fui cabeça de lista à Junta de Freguesia de S. Pedro, que marca na história da Madeira o primeiro acordo entre partidos após a contagem dos votos e a negociação dos cargos da Junta. É este tema que tornarei público mais frente: como encontrei uma Junta governada desde o 25 de Abril pela mesma sigla partidária.
Uma das directrizes da Igreja Católica que aprendíamos na catequese era confessar-se e comungar pelo menos uma vez por ano, na Páscoa. Hoje é assunto do passado… Então com o Covid-19 todos fogem do confessionário!!!
Mas tenho um mandamento de que jamais abdiquei, que escutei aos meus cinco anos de idade: “A honra do Escuta inspira confiança”. Era Lobito da alcateia “Os Lobos”. 70 anos depois, recordo com saudades a minha passagem pelo escutismo durante mais de 20 anos.
“Escuteiro uma vez, escuteiro toda a vida”, diz-se. E aqui se formou o sentido de honra.
Voltemos ao sujeito da oração: era primeiro-ministro de Portugal António Guterres, numa altura muito conturbada. O PS saía das eleições autárquicas muito fragilizado.
Na Madeira, o PSD, na freguesia de S. Pedro, perdia a maioria pela primeira vez. Avançaram então conversações entre PSD e CDS, na presidência de Ricardo Vieira,  muito secretas, numa residencial da Rua do Quebra Costas chamada Gordon. Reunião a três: Carlos Estudante, presidente eleito, Ricardo Vieira e Rui Marote (candidato eleito). O CDS era o fiel da balança, para não deixar  os sociais democratas isolados só com a presidência. O PS não ficou atrás e “convocou” o CDS para uma reunião na sede da Rua das Aranhas.
Surge o dia da tomada de posse na Rua Nova de São Pedro, sede da Junta. Novas reuniões dentro e fora da junta. Um autêntico leilão a ver quem dá mais. O PSD ofereceu o cargo de secretário e tesoureiro da Junta ao CDS, que aceitou. A tomada de posse foi turbulenta, com o PS a abandonar a cerimónia.
Quando cheguei à junta, nas primeiras semanas deparei-me com a realidade de que a Junta tinha um orçamento de quatro mil contos anuais para fazer face ao pagamento das funcionárias, e nada mais, e ainda assim com atrasos dessas verbas. Sobrevivíamos com o dinheiro que a Câmara do Funchal nos enviava, 900 contos anuais.
Não pagávamos luz e água e renda de casa, porque o edifício era pertença da edilidade.
No dia a dia apareciam situações caricatas que tinha que resolver, uma vez que o presidente da junta, durante grande parte dos meses, estava fora do Funchal em Bruxelas, em serviço da Região, e confiava-me todas as tarefas.
Vou relatar-vos três casos passados há mais de 20 anos.
Uma funcionária muito preocupada aproximou-se de mim:
– “Sr. Marote, tem três cheques para assinar”.
– “De quê?”, perguntei.
“A bolsa de estudo dos estudantes que estão em Lisboa, que pagamos de três em três meses”.
– “Desconheço!!! Bolseiros no continente só o Governo Regional, a Secretaria da Educação… A Junta só auxilia escolas da área com cadernos, borrachas e lápis”. Resposta: “Mas isto já vem do tempo do anterior presidente…”
“Traga-me o nome dos bolseiros. Quem esta senhora?”
“É a filha do anterior presidente da Junta… E este senhor é o filho do antigo secretário da Junta… E esta senhora está a tirar o curso, mas numa situação precária”.
De imediato respondi: “Está suspenso até que o Dr. Estudante chegue”.
O segundo caso apareceu semanas depois: existia na Rua da Carreira um supermercado de nome “Caju”. Estava a fazer umas compras e fui confrontado pelo proprietário: “Desculpe, o senhor é o novo tesoureiro da Junta?”
“Sim, porquê?!”
“Temos aqui uns vales em falta de pagamento de pessoas que levantam ajuda alimentar”…
“Desconheço… mas já agora diga-me o que essas pessoas levantam…”
“Uma garrafinha de vinho, arroz, sardinhas e há quem levante uma garrafinha de Whisky…”
Resposta imediata: “A partir de agora não há mais compras para ninguém. Por favor, vá à junta e leve todos os vales que estão por pagar”.
Por último, a assinatura de um atestado. Fui alertado para passar antes do almoço muito urgentemente.
Ao chegar à junta, e antes de assinar, li atentamente e decidi não colocar a minha assinatura. A funcionária muito aflita:
“Porque não assina?”
“Teria de informar-me melhor”, retruquei.
Tratava-se de um atestado de empréstimo bancário para fins de habitação.
“Mas, senhor Rui Marote, vai criar problemas! É o filho do presidente da Assembleia de Freguesia…”
“Pode ser até filho do presidente da República”, respondi…  “O presidente da Junta quando chegar que resolva…”

Assim, neste tom, se pautaram os meus quatro anos na junta. Abdiquei do salário de meio tempo da Junta em prol de um membro do PSD. Quando terminei o mandato fui convidado para concorrer às eleições como independente nas listas do PSD, sendo o número dois.

Agradeci. mas recusei. Como poderia aceitar, sendo um dos fundadores e membro do CDS? Responderam: “O Sr. fez um bom trabalho e nas autárquicas não interessam os partidos (risos)”.
Nessas eleições, o CDS queria que encabeçasse a lista novamente por São Pedro. Disse que não, estava disponível para a Assembleia Municipal. Resposta do presidente, na altura José Manuel Rodrigues: tem de ser na Junta, pois não há outro lugar”. Não fui…
Assim me confesso, nesta altura pascal… Deixo aqui o meu simples testamento político para que o (e)leitor tire as devidas conclusões…