Capela de São Paulo: até à ruína total?

Ao passar pela Capela de São Paulo, não consigo ficar indiferente à ruína, ainda que a trepadeira infestante a vá ocultando e simultaneamente denunciando. De rajada, várias perguntas fustigam a minha mente:

O que pensará o Senhor Bispo, vizinho da Capela, vendo assim destroçada a casa do autor das epístolas que sustentam o Cristianismo? Templo inicialmente dedicado a São Pedro e primeira sede da freguesia funchalense com o nome deste apóstolo, está encerrado desde 2014.

Tratando-se de um imóvel classificado do Património Cultural da Região Autónoma da Madeira, por que razão o Governo ainda nada fez?

Por falta de dinheiro? Não! Isso não pode ser verdade. Então se há dinheiro para esventrar a Laurissilva com uma estrada de milhões de euros, e outras extravagâncias pandémicas, não possui o Governo Regional uns milhares para recuperar a capela mandada edificar por João Gonçalves Zarco e o edifício adossado do lado nascente, onde funcionou o primeiro hospital da Madeira, como memória dos 600 anos do povoamento do Porto Santo e da Madeira?

Foto Rui Marote

Trata-se de obra não prevista no programa do Governo Regional? Não! Isso não é verdade. A recuperação da Capela de São Paulo é projecto inscrito no Plano e Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Região Autónoma da Madeira (PIDDAR) de 2019 (p. 403) e no de 2020 (p. 253). Tem programação financeira plurianual, 2019-2021, sendo o financiamento comunitário no valor de 330 774,00 euros. Qual foi a execução de 2019? E até hoje, qual foi a execução de 2020, quando para este ano está prevista uma verba de 159 496,00 euros? Segundo o vice-presidente do Governo, «quem não executar os projectos financiados pelos fundos comunitários pode vir a perder as verbas.» (JM, Funchal, 22-09-2020, p. 3)

Será que as reduzidas verbas para a Cultura são rapadas para outros investimentos de vulto, as denominadas grandes obras que dizem não poder parar? Ou, como dizia um antigo presidente de um município vizinho do Funchal, há verbas feitiças? Ele queria dizer fictícias, mas o termo não fazia parte do seu vocabulário. Contudo, o seu arcaísmo, motivo de troça por parte de alguns, inclusive companheiros do seu partido, não estava errado. Feitiça, no caso em apreço, qualifica a verba orçamentada como artifício, fingida ou simulada.

Mas, então, mesmo antes de 2019, o PSD já não se tinha comprometido com a recuperação da Capela de São Paulo? Claro que sim, e por diversas vezes. Em Abril de 1996, não foi anunciada a recuperação deste bem cultural? Sim, mas, por decisão política, nunca se iniciou a obra. Não foi Miguel Albuquerque, então presidente da Câmara Municipal do Funchal, quem afirmou que as pedras do imóvel histórico, destruído pela cota 40, haviam sido numeradas, prometendo a sua reconstrução integral (Diário de Notícias, Funchal, 4-04-1996, p. 5)?

Foto Rui Marote

E o CDS, actual parceiro da coligação governamental, através dos seus deputados, não dirigiu, em 3 de Setembro de 2015, um ofício, à secretária regional da Cultura, Turismo e Transportes, sobre o estado da Capela de São Paulo, solicitando uma intervenção urgente? Ficou por aí o seu interesse por este imóvel histórico ou o casamento de conveniência obriga-o a esquecer o assunto em nome da felicidade e da paz no lar?

Desde 1996 até hoje, nada! Muitos alertas de vários quadrantes surgiram entretanto na opinião pública. Todavia quem tinha o dever político de intervir ignorou-os ou justificou-se com a crónica falta de dinheiro ou a contenção financeira. E a ruína acentuou-se. Até quando?

Porque repetem as autoridades com responsabilidade na salvaguarda do Património Cultural visitas a empreitadas que decorrem com normalidade, espalhando depois notícias cozinhadas pelos assessores governamentais, e nunca se dignam passar pela Capela de São Paulo? Ali não há peste, nem lepra. Coronavírus, não sei.

O projecto de concepção da Sala do Tesouro da Igreja da Ponta do Sol é importante, a remodelação da Sala do Tesouro da matriz da Ribeira Brava também, mas a Capela de São Paulo, que história carrega para dela não se falar nem lançar a obra inscrita no PIDDAR?

Recorde-se, a propósito, que, para a Ponta do Sol, quanto ao Património Cultural, está inscrito no PIDDAR de 2020 um projecto de recuperação de fontanários e lavadouros. Já foi concluído?

Depois de tantas e inquietantes interrogações, reparo na casa onde nasceu Herberto Helder, ali ao lado da capela arruinada, e lembro-me de uns versos do poeta:

– Sobre os meses, sonhando nas últimas chuvas,

as casas encontram seu inocente jeito de durar contra

a boca subtil rodeada em cima pela treva das palavras.

(A colher na boca, Lisboa, 1961, p. 11)

À cabeça, vieram-me também as palavras de Paulo:

Se nas línguas dos humanos e dos anjos eu falar, mas amor não tenho, bronze ecoante ou címbalo ruidoso me tornei. (I Cor 13,1)

Voltei a escrever sobre a Capela de São Paulo, porque dói assistir à morte lenta da memória de um dos locais mais antigos do Funchal.