Junto à Balsa dos Migrantes e Refugiados no Vaticano


Vi-te talhado no bronze. Trazias a angústia no sobrolho e a esperança no olhar. A bolsa com os restos da saudade pendurada ao ombro. Carregavas a tua descendência nas entranhas ou ao colo. Apertavas nos teus braços ou na mão fechada aquela a quem juraste comunhão de vida. Sem farnel para a viagem.

E te fizeste ao mar. Nessa barca escura e apinhada, encaixaste o teu lugar. Emparedado entre corpos diferentes, descobriste a irmandade de uma humanidade em desvario. Trocaste a fome, a perseguição, o medo e a humilhação por umas asas de sonho e de libertação. À proa vislumbraste a terra de leite e mel. No horizonte, a luz que te sabia de esperança.
Mas não aportaste ao cais do recomeço. Jogaram-te de rota em rota, de maré em maré. À tormenta da vaga associaram a incerteza do porto seguro. Encolhido na vergonha, não te foi permitido olhar as estrelas.
Mas Cristo dormitava no batel. Ali, à semelhança de há dois mil anos, os ventos e as altercações despertaram-nO e a Sua mão aberta e estendida, fez regressar a esperança. Essa voz acolhedora e próxima, acalmava a tempestade. Essa dádiva quebrava as justificações, os receios e as negas.
Lançaram a ancora ali, na Praça de São Pedro. Encalharam junto do olhar dos pescadores de homens, marmoreados no alto das colunas de Bernini. E as tuas mãos salgadas, feridas, carentes encontraram quem as puxasse para fora do desespero. E as tuas asas tolhidas puderam voltar a esbracejar, porque te sabiam hospedes.
Foi ali junto do negrume da multidão espremida naquele casco, que entendi a tua nova missão. Também atravessaste o mar nos braços de quem fugia da incerteza. Também cresceste a ver o mar e os barcos de desafios sempre renovados. Também viveste esse encontro com a bonança e com a entrega.
Sei que olharás a barca que plantaram no horizonte da tua janela. Sei que aí descobrirás a palavra que acolhe, a vontade que agrega, a esperança que aconchega. Sei que vês os anjos que se atiraram à agua naquela balsa. É essa Igreja de Cristo que é porto que interpela, arrebata e não tem fronteiras que agora te volta a recrutar.
Desta nossa ilha que também é navegação, deste povo que desvendou o sextante da orientação, desta epopeia que nos fez laço de cultura e expansão de humanidade, serás o arrás, o marinheiro, o novo pescador escolhido.
Foi tão bom ver-te ao leme, D. Tolentino.