A região de Tana Toraja, nas antigas Celebes, Indonésia, está localizada num planalto que vai dos 300 aos 2880 metros acima do nível do mar, com temperaturas entre os 16 e 29 graus Celsius. Para chegar aqui foi necessário viajar de avião para Makassar (Ujung Padang), capital das Sulawesi, onde apanhei um autocarro que leva cerca de oito horas para percorrer os 330 km de distância. Viajei de noite para ganhar mais tempo. Vou regressar de dia para poder deslumbrar-me com um cenário de extasiar, onde se colhe o arroz.
Fiquei em Rantepao para explorar o colorido mercado tradicional de Pasar Bolu onde assisti ao leilão de búfalos e porcos e comprei os afamados grãos de café da região: arábica ou robusta. O que me levou estar aqui, no entanto, foi mesmo assistir aos rituais fúnebres macabros, sangrentos mas festivos e únicos no mundo, e poder levar aos leitores através das minhas fotos uma realidade imperdível. Tive a oportunidade de assistir a dois funerais, um de um homem católico e outro de uma mulher protestante. Mas as crenças animistas estão ainda bem vivas, misturadas com a fé cristã.
A “festa dos mortos” é o ritual mais importante para os toraja, e reúne membros de famílias que podem estar dispersas no exterior, das vizinhas Molucas à Austrália.
A cerimónia fúnebre deste povo é sem dúvida o evento mais oneroso da região um e dos mais curiosos do planeta. As famílias levam entre dois a cinco anos a reunir o dinheiro necessário à realização do funeral.
Quando uma pessoa morre aqui, o corpo não é logo enterrado, mas preservado com recurso a formol e envolto em várias camadas de pano. Colocado na parte superior da casa, o defunto é considerado uma pessoa doente, a quem se continua oferecer comida e bebida. Pode ser visitado por quem o queira. Só é declarado morto no dia do enterro.
Explicaram-me que um cadáver de uma certa mulher levou 28 anos a sepultar, ficando célebre. Foi o resultado de uma disputa entre filhos adoptivos da mulher morta. O corpo chegou a ser embebido em café para preservá-lo e foi envolvido em mais de cinquenta panos, numa situação interminável que obrigou o governo a intervir e sepultar o falecido.
Chegou a hora da procissão, que vai percorrer a aldeia. O corpo dentro do caixão foi trabalhado por hábeis artesãos e é transportado por dezenas de pessoas. Os homens abanam vigorosamente o caixão para afastar os maus espíritos. Sem dúvida o morto lá dentro há-de dar muitas voltas…
Há funerais para todas as bolsas. Uma família de classe baixa nunca terá acesso a determinadas regalias no ritual. Nem que se torne rica, porque o que conta é o nascimento e não os bens adquiridos em vida.
Numa família de classe alta, o caixão é entalhado pelos melhores artesãos e tem direito ao seu búfalo albino, para além de duas dezenas de búfalos de água e uma vara de porcos e as incontáveis aves. Não tenho palavras para descrever estes rituais que atingem níveis de verdadeira carnificina, na qual o pescoço do búfalo é cortado com uma lâmina afiada, permitindo que sangre até à morte. Ninguém demonstra indignação ou horror por estes actos.
Uma vez por ano ou em cada cinco ou dez anos, os toraja mudam as roupas dos mortos. Esta é uma acção de limpeza dos defuntos que permaneceu oculta até os ocidentais a fotografarem e a venderem como se se tratasse de uma espécie de rituais de mortos vivos, por causa dos mortos serem retirados dos caixões e serem transportados de pé, pelos familiares. Em nenhuma outra parte do mundo permanecem tais hábitos. A cultura toraja é uma mistura de culto aos antepassados e crenças animistas, onde os rituais para os mortos são como festivais coloridos.
Não posso encerrar este espectáculo de circo sem pedir perdão a Deus. “Senhor, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem…”. Sou como o Apóstolo das Índias (Tomé); é ver para acreditar. Deixei este apontamento descritivo retratando o que pensava ser impossível ainda existir. Mas existe, e é mesmo o lado mais exótico da Indonésia.
Para esta gente, a morte é de facto como um sono, mas um sono no qual se entra lentamente, não um acontecimento repentino. Encaram os mortos como se ainda estivessem vivos, como se ainda fizessem parte da vida familiar, como antepassados entre nós. E, definitivamente, os seus funerais são uma resposta à eterna questão de não deixar que a tristeza pela perda de entes queridos se apodere das nossas vidas. Em Mateus 8:22, e em Lucas, 9:60, Jesus diz: “Deixa os mortos sepultarem os seus mortos, segue-me!” Mas, para o povo toraja, não pode ser bem assim.