Património do Arco da Calheta

A freguesia do Arco da Calheta é agora mais conhecida, porque mais bem estudada. Da autoria de Paulo Ladeira, Arco da Calheta: património religioso e alguns aspetos do quotidiano, editado no mês passado, ultrapassa a dimensão de inventário, nem apresenta tal formato. Trata-se, sim, de uma monografia sobre o património de uma paróquia, fundada em data desconhecida, mas antes de 1518, focando, em particular, o património religioso.

Este é o primeiro volume da Colecção Património Religioso, editado pelo CEDECS – Centro de Estudos e Desenvolvimento, Educação, Cultura e Social, com uma tiragem de 1000 exemplares.

Segundo Eugénio Perregil, presidente do CEDECS, esta colecção constitui uma «homenagem àqueles que construíram a História do concelho, no plano físico e espiritual», pelo que se antevê que outros volumes estão planeados, a fim de contemplarem as demais freguesias do município da Calheta.

O livro conta com um preâmbulo do pároco do Arco da Calheta e Loreto e um prefácio do bispo do Funchal.

O padre João Carlos Homem de Gouveia afirma que «é preciso incentivar a reflexão e atuação da Igreja e das instituições eclesiásticas no domínio do património cultural, numa perspetiva não só de fé, mas também intrinsecamente estética e histórica, com respeito cada vez maior pela sua função pastoral e evangelizadora.»

Já D. Nuno Brás sublinha que o património religioso não pode ser reduzido «a um simples conjunto de igrejas, pinturas, estilos de arte, de música e de arquitetura». Deve, antes, ser entendido como a expressão de valores, expectativas e identidade de uma comunidade, «através de uma determinada atitude religiosa».

Para a elaboração desta monografia sobre o património do Arco da Calheta, Paulo Ladeira serviu-se de vasta bibliografia e fontes documentais, mas também partilhou testemunhos e vivências suas e de pessoas da localidade.

Ladeira, mestre em História e Cultura das Regiões pela Universidade da Madeira, com a dissertação O Rococó na Madeira: a talha e a pintura do último Barroco ao primeiro Neoclássico (2003), é autor de diversos estudos sobre História de Arte da Época Moderna. Em 2016, publicou Calheta & Património: uma abordagem, numa edição da Câmara Municipal da Calheta.

Apesar de a tónica ser o património religioso, o autor dedica mais de vinte páginas a aspectos históricos da freguesia, alguns dos quais são também património cultural, como, por exemplo, a toponímia, a habitação, os utensílios domésticos, o vestuário, os adereços e os ofícios. Nesta caracterização das vivências do quotidiano de outrora, caberia ainda o património imaterial. Para esta matéria, haveria que recorrer à tradição oral. Contudo, Paulo Ladeira privilegiou as fontes documentais escritas, quase sempre parcas neste domínio. Ainda assim, a imprensa poderia veicular alguma informação.

O quotidiano religioso merece também capítulo próprio, sendo dada particular atenção aos ritos dos sacramentos católicos.

A parte principal do livro diz respeito ao património religioso, imóvel e móvel, da freguesia. À matriz, Igreja de São Brás, pela importância do seu acervo, é dado maior relevo.

Importa aqui salientar o conjunto de seis pinturas maneiristas, de meados do século XVI, restauradas por ocasião do Quinto Centenário da Diocese do Funchal e provenientes, pelo menos algumas delas, da ermida de São Brás. Aliás, a capa do livro ostenta o óleo sobre madeira São Brás e os doadores (Brás Ferreira e Mecia Vaz), pintura atribuída ao Mestre de Abrantes, numa fotografia de Paulo Sardinha.

As capelas da freguesia, mesmo as mais recentes, foram objecto de análise, com descrições e imagens do seu património mais significativo.

A obra inclui no final uma memória de Manuel da Silva Leça sobre costumes religiosos e sociais da freguesia, nos anos de 1930 a 1950.

Arco da Calheta: património religioso e alguns aspetos do quotidiano mostra-se fundamental para o conhecimento do património da Região e constitui iniciativa que merece ser aplaudida, não só por dar a conhecer a história local, mas sobretudo porque esse saber está alicerçado nas fontes existentes nos arquivos. Por outro lado, é também de louvar a atitude da Igreja Católica. Neste caso, não fechou as portas à divulgação do seu património, mas revelou consciência de que o estudo, a fotografia e a divulgação dos bens culturais contribuem para a sua preservação e salvaguarda.

Como bem referiu José Eduardo Franco, no posfácio, o remédio para a ameaça do esquecimento das culturas locais «passa, em grande medida, pelo investimento na investigação e na produção de conhecimento esclarecido e bem fundamentado em torno da herança cultural». Propósito, quanto a nós, alcançado com esta edição, apoiada pela Câmara Municipal da Calheta. Esperamos que mereça leitura e atenção.

LADEIRA, Paulo – Arco da Calheta: património religioso e alguns aspetos do quotidiano. Calheta: CEDECS, 2019. ISBN 978-989-20-9589-9. 336 p.