A “True Story” do acidente da Lion Air na Indonésia

No passado dia 29 outubro, um novíssimo Boeing 737MAX8 da companhia Indonésia Lion Air despenhou-se no mar de Java, pouco após a descolagem de Jakarta. Pereceram os 189 ocupantes e, colateralmente, um mergulhador envolvido nas operações de busca e salvamento.

O lançamento do modelo 737 da Boeing data do final dos anos 60, mas este era um moderníssimo 737MAX, que a Madeira só conheceu este ano. Os 737 versão 100 e 200 ostentavam dois motores Pratt & Whitney com a forma de um “charuto”, encostados à asa (estiveram presentes nas frotas da TAP Air Portugal e da Air Sul, por ex.). Nos anos 80 a Boeing lançou as versões 300/400/500 “Classic”, equipadas com motores CFM56 (por cá voaram na TAP, na Air Atlantis, na Air Columbus e na SATA, por ex.). No final dos anos 90 apareceram os “Next Generation” 600/700/800/900/900ER, que são os mais comuns cá pela Madeira (em Portugal apenas a Euroatlantic e a White os operam).  Comungando de uma base tecnológica mais que validada nos mais de 10 000 Boeing 737 produzidos ao longo de 51 anos, a série MAX incorpora inovações importantes. Sobressai o novo motor CFM Leap, 15% mais eficiente que a unidade propulsora da geração anterior, também equipamento standard nos novos Airbus A320NEO.

A Lion Air tem um paupérrimo historial de segurança de voo, e sobre os seus operacionais caiu logo a primeira suspeita. Mas um receio assolou de imediato a indústria do transporte aéreo acerca do 737MAX. Das 4783 unidades encomendadas à data do acidente estavam outros 240 já a voar. O sinistrado PK-LQP tinha sido entregue apenas dois meses antes, o que – aparentemente – dissipava suspeitas sobre falhas de manutenção como a causa primária. Teriam os aperfeiçoamentos tecnológicos causado o acidente? Incorporariam componentes modernos, mas defeituosos? Faltaria aos novos processos de fabrico a qualidade necessária? Seria o programa de treino dos pilotos inadequado? Era imperativo saber de imediato se o avião era seguro para voar ou não. Em 2013 todos os Boeing 787 foram impedidos de voar até se resolver o problema das baterias. Levou vários meses a solucionar e gerou grandes prejuízos financeiros para as companhias e fabricante. Neste caso da Lion Air não era possível apontar nem isolar uma falha concreta, nem ilibar as partes envolvidas.

Alguns factos apurados na altura do incidente geraram confusão. Após descolar, o avião não subiu além dos 5400 pés, e a tripulação tinha pedido para regressar a Jakarta, mas não declarou emergência. Os destroços encontrados estavam muito fragmentados, condizentes com impacto na água a pronunciada velocidade vertical, o que seria pouco provável numa tentativa de amaragem. Foi revelada pelas autoridades a existência de falhas sucessivas de sistemas do avião, nos voos prévios, registadas pela caixa negra (Flight Data Recorder). As falhas dos sistemas de medição de ângulo de ataque (o ângulo entre a trajetória percorrida pelo avião em relação à massa de ar que atravessa, e a linha da asa), fizeram com que o comandante e o copiloto recebessem valores diferentes nos seus instrumentos, gerando notória confusão no cockpit. Este crucial parâmetro é medido por dois sensores independentes no nariz do avião, que têm a forma de uma pequena asa. Os computadores de bordo usam este dado para detetar se o avião poderá estar em perigo de entrar em perda. Para mitigar o efeito capital que uma situação de perda poderia causar, a Boeing revela então ter introduzido um inovador Maneouvering Characteristics Augmentation System (MCAS) nos 737MAX. O propósito do MCAS era atuar automaticamente com o comando do leme de profundidade no caso de o avião estar em situação em perigo, face a iminente perda. O problema adensa-se porque o construtor não tinha revelado a existência desta funcionalidade aos seus clientes, e os pilotos não estariam à espera da intervenção da própria aeronave. Concluiu-se que o piloto e a aeronave da Lion Air estavam a lutar entre si, às cegas, com inputs opostos nos comandos, a tentar navegar na presença de informação de voo conflituante.

Há duas semanas a KNKT, entidade indonésia responsável pela investigação deste infortúnio, revelou o relatório preliminar. As principais conclusões publicadas são:

– De acordo com os registos de manutenção, avião tinha tido várias avarias nos voos anteriores, e não reunia condições de aeronavegabilidade para ter sido autorizado a fazer o voo em questão;

– Grande divergência entre as medições obtidas pelos dois sensores de ângulo de ataque após descolagem;

– Os pilotos reportaram problemas com controlo de voo após a descolagem;

– Os pilotos pediram ao controlo de tráfego aéreo que confirmassem a altitude do avião, o que não foi tecnicamente possível;

– Nos últimos seis minutos de voo, inclusive até ao momento do impacto na água, os pilotos tentaram levantar o nariz, e o avião tentou automaticamente baixá-lo.

Ainda não foi encontrado o Cockpit Voice Recorder (CVR), vulga caixa negra que regista o som no cockpit. Permanecem as buscas por este elemento que poderá ajudar a melhor entender os eventos nos derradeiros momentos, e contribuir para o acréscimo da segurança de voo. A investigação serviu desde já para que os pilotos ficassem a saber da existência de um sistema automático que aumenta a segurança de voo. E à Boeing, que a divulgação atempada e transparente de informação sobre esse mecanismo é a única maneira de o tornar uma mais valia desta moderna aeronave.

Por enquanto os Boeing 737MAX continuam a voar, em segurança, e a vender-se bem.