Um registo de Nossa Senhora da Conceição

A salvaguarda do património passa, por vezes, por pequenos gestos e capacidade de resposta em tempo útil. Património engloba também bens singelos, mas com particular significado para a comunidade.

Num prédio urbano devoluto da freguesia de São Roque, parcialmente atingido pelo incêndio de 9 de Agosto de 2016, existia um registo de azulejos embutido na parede da edificação, paralela à via pública.

Em muitas casas, era habitual, no século passado, colocar-se um painel de azulejos alusivo a Maria, ao orago da freguesia ou ao santo ou santa da devoção dos proprietários. Ultimamente é mais comum o registo em honra de Nossa Senhora de Fátima.

Na canção “Uma casa portuguesa”, celebrizada mundialmente por Amália Rodrigues (1920-1999), Reinaldo Ferreira (1922-1959) e Vasco Matos Sequeira (1903-1973), autores da respectiva letra, que veio a ser musicada por Artur Fonseca, associaram à arquitectura vernácula o registo azulejar, no caso com a representação de São José.

Quatro paredes caiadas,
Um cheirinho a alecrim,
Um cacho de uvas doiradas,
Duas rosas num jardim,
Um São José de azulejo
Mais o sol da Primavera,
Uma promessa de beijos
Dois braços à minha espera
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!

Na casa devoluta de São Roque, o registo hagiográfico estava em bom estado. Por falta de segurança, temia-se que viesse a ser furtado ou vandalizado.

Registo de azulejos. Torre da Igreja de São Roque, Funchal.

Informado da situação, logo o padre José Luís Rodrigues tratou de obter autorização dos proprietários para salvaguardar o painel de azulejos, tendo sido colocado, em Maio deste ano, no alçado lateral poente (torre) da Igreja de São Roque. Com boa vontade, preservou-se, assim, um registo característico da arquitectura portuguesa.

Trata-se de um registo hagiográfico em formato oval recortado, com moldura policroma e figuração azul e branco, representando Nossa Senhora da Conceição. Na base, a moldura exterior é interrompida por cartela com a inscrição: N.A S.A / DA / CONCEIÇÃO. Executado pela Fábrica Aleluia de Aveiro, no século XX, é, por certo, posterior a 1946, ano da comemoração do 3.º centenário do decreto do rei D. João IV, que declarou Nossa Senhora da Conceição como Padroeira do Reino de Portugal. Nesse ano, a Fábrica Aleluia produziu registos invocativos desta efeméride com a inscrição: 1646 / 25 de MARÇO / 1946.

A Fábrica Aleluia, Louças e Azulejos foi fundada em 1917 por João Aleluia, ceramista, pintor e músico, e sucedeu à sua Fábrica de Louça dos Santos Mártires, Ld.ª.

Na freguesia de São Roque, a devoção à Senhora da Conceição está também presente numa capela situada a pouca distância da referida casa devoluta. De facto, em 1700, o cónego António Lopes de Andrade mandou erguer, na sua propriedade, do Caminho de São Roque, uma ermida com essa invocação. Ainda hoje, os moradores do Chão do Carlinhos promovem a festa da padroeira de Portugal no seu dia.