Jazzmeia Horn: uma cantora impressionante no Funchal Jazz

Fotos: Rui Marote

“Talentosa” é um adjectivo fraco para denominar Jazzmeia Horn. A jovem cantora norte-americana protagonizou ontem um concerto notável no Funchal Jazz. A sua proposta artística é inquestionavelmente interessante. Por um lado, junta à sua nacionalidade estadunidense um apelo sentido à sua ancestralidade africana, no aspecto e no modo como cita refrões de espirituais negros. Pelo outro, é simplesmente uma extraordinária “diseuse”, que vai inventando as suas próprias histórias e endereçando mensagens pessoais ao público, na música que faz. Algumas de carácter libertário e político, transmitindo preocupações reivindicativas e sociais, e não há nada de errado nisso.

Em palco, domina, está sem dúvida à vontade. A sua amplitude vocal é impressionante, o domínio da voz como instrumento que entra em diálogo com o saxofone teve momentos de puro maravilhoso. Em alguns momentos, é tão melodiosa como um rouxinol, noutros é capaz de entrar numa longuíssima tirada de “scat singing” que denota o quão fabuloso um dom da natureza – devidamente trabalhado e moldado pelo esforço de aprendizagem – pode ser.

Foi a primeira vez que ouvimos Jazzmeia Horn ao vivo, e ficámos impressionados. Esta é uma intérprete bastante premiada e elogiada, de ascensão meteórica. Mas a reputação e as distinções são inteiramente merecidas.

Nomeada para o Grammy de melhor álbum de jazz vocal com o seu primeiro álbum, “Social Call”, apontada pela crítica especializada como Best New Artist (Jazz Times) e como “Up and Coming Musician of the Year” pela Jazz Journalists Association, Jazzmeia Horn vem na senda de grandes intérpretes como Sarah Vaughan, tendo também já sido comparada a Nancy Wilson ou Betty Carter.

Com um repertório que não se limita ao jazz “per se”, esta vocalista é capaz de entrecruzar as mais diversas influências, e de as levar ao encontro dos públicos dos diversos países em que já actuou, desde a Europa à África do Sul ou à Austrália. Nesse sentido, há nela também um pouco de “world music”, se é que o podemos dizer assim. Não há que enganar, a cantora quer frisar bem a sua herança africana. Mas não se fica por aí. Na realidade, com uma voz e uma capacidade interpretativa destas, há poucas barreiras que se lhe possam colocar. Auguramos-lhe um futuro brilhante.

As demonstrações de virtuosismo vocal sucederam-se, até que Jazzmeia Horn indicou ao pianista que parasse, ia ela lançada no meio duma belíssima balada que encantava o público atento (o desatento ouvia-se em ruído de fundo, o habitual, omnipresente e  inevitável bruaá). E, cantando, pediu de forma singela: “Será que alguém podia desligar o fumo, pois a minha voz está a ressentir-se disso?” Como não podia deixar de ser, rimo-nos, mas sentimo-nos parvos, porque à nossa volta toda a gente parecia pensar que aquilo fazia parte da canção. E assim a cantora prosseguiu mais uns momentos, tentando continuar a cantar, mas acabando por desistir, e dizer: “Funchal, desculpem-me mas não falo português. Por favor, alguém que peça para desligar o fumo. Eu espero”. E assim foi, até que a fumarada que embelezava com o seu efeito o espectáculo, mas que era realmente espessa, finalmente cessou.

Jazzmeia Horn pareceu-nos um pouco agastada, mas recomeçou de onde tinha parado e continuou a balada, a par com o (excelente) pianista. Mais à frente, acabou por dizer que compreendia que os efeitos de cor, luz e fumo fazem parte do espectáculo, mas sublinhou que o público tinha ido ali para vê-la cantar e ela não conseguia fazê-lo com tanto fumo. Mas não deixou de endereçar mensagens simpáticas à plateia, e não faltou também quem soubesse aplaudi-la. Está ainda a começar, por assim dizer. Mas já é uma grande artista.