O lobismo e o resto

Já lá vão anos, – naquele número que evitamos contar -, numa conversa entre amigos onde um de entre eles tinha assumido a responsabilidade de, com base num trabalho escrito, a apresentar oralmente, abordar um tema de sua escolha que pudesse ter interesse e relevância para o debate que se lhe seguiria, o tema proposto e aceite foi a actividade de lobbying e as características de que ela vinha imbuída que, segundo os seus entusiasmados adeptos, constituíam garantia suficiente e clara de transparência, de acção monitorizável, de limpidez de processos, de seriedade e inquestionável normalidade cívica e política e, daí, estar já, à altura do encontro referido, legalizada e regulamentada em muitos países mais “civilizados” do que o nosso, – há quem sustente -, e ser imperioso que tal viesse a acontecer também em Portugal a bem do desenvolvimento, do investimento, da atractividade, da competitividade, da modernidade, da inovação, da criatividade e de muitas outras promissoras qualidades e requeridos recursos que transportariam o País para o patamar da excelência e do reconhecimento europeu e mundial.

Confesso que não fiquei entusiasmado. Sem aprofundar tudo aquilo que, manifestamente, não queria transformar em prioridade de reflexão pessoal, tentei averiguar em que medida e com que influência ponderada poderia o lobismo contribuir para uma mais saudável e escrutinável vida económica na desejável harmonia do desenvolvimento integral e sustentado do nosso País.

De um dicionário comum recolhi o significado, – os significados -, e transcrevo, “lobismo,  actividade de quem, abstendo-se do exercício directo do poder público procura influenciar aqueles que o exercem, no sentido de acautelar os seus próprios interesses; lóbi” e, “lóbi, conjunto organizado de indivíduos que exerce essa actividade; grupo de pressão; lobby”.

Podem calcular que, por precaução, por atavismo, por educação ou por uma qualquer outra razão mais ou menos atendível, o meu cepticismo foi-se acentuando e fui, de forma despreocupada, seguindo o evoluir do conceito e as suas ressonâncias e consequências naquilo que podem ter de impacto, positivo ou negativo, na vida de todos nós, mas tendo em linha de conta, por razões óbvias, as parangonas que de há uns anos a esta parte passaram a preencher o nosso quotidiano onde a “corrupção” em geral e a dos agentes políticos em particular aparece, a traço negro, a lançar graves suspeições – de forma selectiva, embora; há sempre quem passe por entre os pingos da chuva, como soe dizer-se – sobre a (quase) totalidade de quem resolveu, quero querer que, na maior parte dos casos, bem, dedicar a sua vida, ou parte dela, ao serviço do seu País e o faz de forma reconhecivelmente impoluta, séria e desinteressada, – sim, eu sei que sou um ingénuo, mas acredito que haja quem assim proceda -, dando o seu melhor por aquilo em que acredita e dei por mim a associar, porventura mal, o lobismo com a corrupção, ou com a suspeita da sua existência, restando-me a convicção de que, para usar um conhecidíssimo aforismo castelhano “yo no lo creo en las brujas pero que las hay las hay” e de que, ao contrário da “corrupção”, a questão do lobbying, dos lobistas e do potencial de perverso que transportam, não ser, sequer, objecto de legítimos questionamentos e interrogações sobre a sua existência e em que termos, dos seus métodos, das suas práticas, dos seus processos, da sua monitorização e escrutínio, da sua relação com os respectivos corpos de leis dos diferentes países, do papel da justiça vis-à-vis “aparelhos lobistas”, enfim, tudo o que poderia contribuir para que, tendencialmente, percebêssemos as relações que se desenvolvem, quais os frutos delas emergentes, qual a lógica de interesse das partes e em que medida se concretizam e qual a percepção, ou o conhecimento real que o Estado, os estados, têm do modo como a actividade se desenvolve, qual a sua dimensão, quais as entidades, singulares ou colectivas, envolvidas e qual o estimado ou efectivo reflexo num dia-a-dia, o nosso dia-a-dia, que, temos esse direito, sem “arcas encoiradas”, seja o resultado de práticas escrutinadas, sãs, avaliadas e validadas pelo interesse geral.

Sem conseguir dar uma ideia precisa da data em que tal li num dos inúmeros papéis que me vão passando pelas mãos, afirmava-se, então, que existiam, à data, em Bruxelas, cerca de 30000 (trinta mil) lobistas e que não seria exagerado afirmar que o movimento lobista era responsável, indirectamente, claro, por cerca de 75% (setenta e cinco por cento) da produção legislativa da União Europeia… O lobismo não é para ver se resulta; o lobismo resulta e, portanto, é, não só obrigatório como indispensável que tenha por parte dos poderes públicos, a acção fiscalizadora que se impõe, que responda às mais relevantes questões atrás ensaiadas e a todos seja dada a garantia de que a transparência é o timbre e a legalidade a regra,

A corrupção, na moda desde que a mira justiceira esteja apenas em alguns, vai continuar a ser o leitmotiv das conversas, dos ataques, dos arremessos, das suspeitas, das condenações, – as morais e as outras -, das manchetes, e do discurso aleivoso dos democraticósepticos, passe o desajeitado neologismo, e de todos quantos, com ela, e do modo como a encaram e combatem, se aproveitam da sua popular exuberância, para denegrirem a imagem do regime e tentarem abrir portas a aventuras nada consentâneas com a nossa convicção e vontade.

É, a corrupção vai continuar a ser tema mas, já agora, juntem-lhe, por existir a possibilidade de haver (também) alguma relação, o movimento de lóbi que se vulgarizou e faz, sem ondas e tranquilamente, o seu percurso.

Nota: o autor deste texto escreve de acordo com a antiga ortografia.