Estudantes partem amanhã para viagem de finalistas: Nelson Carvalho acredita que pode haver diversão sem riscos

Fotos arquivo Sporjovem.

A partir de amanhã, centenas de jovens de todo o país iniciam a tradicional viagem de finalistas, na maioria dos casos com destino a Punta Umbria. Para estes jovens, que estão à beira de concluir o ensino secundário e ingressar no ensino superior, é a concretização de um sonho. Uma semana sem pais, com diversão 24 horas e, nalguns casos, bar aberto. Mas esta viagem é também o batismo de alguns jovens nos comportamentos de risco.

Nelson Carvalho, psicólogo e técnico da Unidade Operacional de Intervenção em Comportamentos Aditivos e Dependências (UCAD), serviço pertencente ao IASAUDE, vai estar, esta segunda feira, com uma equipa no Aeroporto Internacional da Madeira, a distribuir um folheto aos finalistas com a defesa de uma “Diversão sem Riscos”. Com larga experiência no diálogo com os jovens nas escolas, que antecede estas viagens, considera que é possível uma semana memorável sem riscos, para mais tarde recordar. Muito antes, o pilar da educação familiar forma o jovem que viaja amanhã, tornando-o responsável pelas suas escolhas.

Funchal Notícias (FN) – Deixaria um filho seu fazer a viagem de finalistas nos moldes em que são hoje organizadas?

Nélson Carvalho – Hoje mais do que nunca, há um destaque sobre estas viagens, onde se responsabiliza os organizadores, quais maus da fita que conduzem e estimulam os nossos jovens para caminhos desviantes. Eu pergunto, como é que se chegou a isso? Quem autoriza os jovens irem uma semana para hotéis com bar aberto, onde é permitido consumir bebidas alcoólicas desde o acordar até o adormecer, com todos os riscos que daí advêm? Como é que se explica que jovens se transfigurem do dia para a noite e exibam comportamentos desajustados e inexplicáveis como destruir quartos dos hotéis? Se alguma coisa correr mal de quem é a responsabilidade?  Não podemos nem devemos diabolizar a viagem de finalistas, ela é só e tão só mais um acontecimento importante na vida dos nossos filhos. Temos sim de os preparar, desde tenra idade, para os desafios que vão surgindo ao longo do seu desenvolvimento. E isso chama-se EDUCAÇÃO. E esta assenta na confiança, na responsabilização, nos afetos, nos limites, no respeito e no diálogo. Todas estas competências são essenciais e necessárias para lidarmos com as diferentes tarefas de vida ao longo do nosso desenvolvimento. O comportar-se bem ou mal numa viagem de finalistas tem muito a ver com tudo isto. A nossa vida é feita de opções e, nesse sentido, é basilar, encorajar e apoiar os nossos filhos nas suas escolhas, sendo que estas têm sempre consequências positivas e/ou negativas nas suas vidas. Por outro lado, é fundamental os pais saberem para onde e em que condições vão os seus filhos. E a partir desse momento são co-responsáveis pelo que de bom e mau lhes acontece. Por conseguinte, se considerasse que todos estes factores estivessem assegurados, deixava o meu filho ir na viagem de finalistas. Os moldes em que estas viagens ocorrem dependem dos adultos. Nós é que somos os responsáveis pela educação dos nossos filhos. Vou-lhe dar um exemplo muito simples, de onde provém o dinheiro para este evento? Uma parte do orçamento familiar e outra de festas que fazem ao longo do ano, festas essas onde muitas vezes sabemos o que acontece em termos de consumo, no entanto, já viu algum pai reclamar por isso? São poucos, na maior parte das vezes, quando muito aqueles cujos filhos tiveram algum problema relacionado com a ingestão de bebidas alcoólicas, caso contrário como dizem os jovens “tá-se bem”. E toda a gente fica feliz e contente, mesmo sabendo que existe uma lei em Portugal que proíbe a venda, a disponibilização e o consumo de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos.

Nelson Carvalho.

FN – Quais são os maiores riscos destes eventos?

NC –  O estar por sua conta, juntamente com a pressão do grupo são os principais factores de risco. E aqui, como referi anteriormente, se o jovem tem um conjunto de competências como o ser responsável, saber dizer não, ter a noção de que não precisa de consumir para se divertir, a probabilidade de se colocar em risco é muito menor. O inverso pode levar a situações de risco, como relações sexuais desprotegidas, violência, policonsumo, sinistralidade rodoviária, coma alcoólico e outros comportamentos que ponham em risco a própria vida.

FN – Consta que há sessões de esclarecimento, antes da viagem, nas escolas. Em que consiste concretamente estas ações?

NC – O IASAÚDE, através da UCAD, desenvolve desde 2014 o projecto “Diversão sem Riscos”, dirigido para os finalistas do ensino secundário da RAM. Temos abrangido todas as escolas secundárias. A primeira fase incide sobre o baile e a segunda sobre a viagem dos finalistas. O nosso objetivo é consciencializar os jovens para a importância de se divertir nestes momentos marcantes na sua vida académica de forma o mais saudável possível. Isto é feito através de ações de sensibilização complementadas com a distribuição de folhetos informativos os quais incluem um conjunto de conselhos e medidas práticas para estes eventos. Tudo isto é feito de forma positiva, sem moralismos onde se enfatiza os aspetos positivos do não consumo e as consequências do consumo e o que fazer nesta última situação. Desta forma, vamos estar no Aeroporto Internacional da Madeira, no próximo dia 2 de abril, na zona do check in, entre as 5 e as 9h, com os estudantes e as suas famílias.

FN – Considera que deveria haver adultos a acompanharem estes jovens? Quem, concretamente?

NC – Isso tem muito a ver com o que os pais, os filhos e a escola. Por ex., há escolas em que, com a concordância de todos os intervenientes, vai um ou mais professores a acompanhar os alunos. Na maioria dos casos, os jovens vão sós. São opções. O ideal seria irem adultos a acompanhá-los, no entanto isso não é fácil, pois pressupõe muita responsabilidade. Mas como referi anteriormente, estamos perante mais um acontecimento de vida para o jovem, logo se este demonstra confiança, responsabilidade e autonomia, acaba por ser uma experiência positiva. Não podemos nos esquecer que muitos destes jovens, em setembro vão para o ensino superior.  Felizmente há um facto a reter, as viagens de finalistas da Madeira, regra geral, têm corrido bem e isso é importante.

FN – No regresso, há jovens ou pais que procuram o vosso serviço devido a problemas com consumos?

NC – Até hoje nunca tivemos uma situação dessas.

FN – Que recomendações deixa aos estudantes?

NC – As recomendações são as que incluímos no folheto informativo que vamos entregar aos estudantes. A minha mensagem é que se divirtam sem riscos para que a sua viagem de finalistas seja relembrada como um momento positivo e uma experiência de vida inesquecível, onde houve divertimento, companheirismo, sem que para isso fosse necessário recorrer ao uso/abuso de substâncias psicoactivas lícitas e/ou ilícitas. A todos uma boa viagem!