Orçamento em frente e Passos atrás

 

 

 

icon-henrique-correia-opiniao-forum-fn

Esta “geringonça”, para “geringonça”, não está nada mal. Aliás, Portugal tem vivido em “geringonça” permanente há muitos anos. E penso que, à parte a ideologia, que hoje em política é uma miragem e serve apenas como argumento quando serve, o povo português ainda prefere uma “geringonça” de negociação do que uma “geringonça” de autoritarismo e ultraliberalismo.

Esta coisa do “bicho papão” do comunismo, da radicalização do Bloco comparando-o ao que se passou com o Siriza na Grécia, e a dependência do PS face a estas duas forças de apoio, são questões que obviamente se podem colocar para discussão, mas não impeditivas, como se vê, de uma postura responsável das partes envolvidas. É claro que o sentido argumentativo, que compete a quem faz oposição, bem como a propaganda e pressão internas e externas, que se tem feito sentir de forma particularmente ativa, procuram encontrar um momento, uma brecha, para desestabilizar a ação governativa, numa perspetiva de ver até que ponto o PS aguenta as reivindicações do BE e do PCP, e até que ponto Marcelo pode dar uma ajudinha derrubando o governo. Mas o povo não quer saber disso, o povo quer ação, quer números, com responsabilidade para o equilíbrio das Finanças do País, mas com avanços relativamente ao sufoco dos últimos anos. E este governo está a conseguir isso, mesmo que de forma gradual.

A apresentação do Orçamento de Estado foi como que uma “prova de fogo” para o governo socialista suportado pelo apoio parlamentar do PCP e do Bloco de Esquerda. Uma prova que se enquadra num cenário hipotético sobre eventual perda de fundos, do crescimento da economia aquém das expetativas, da falta de condições para cumprir o défice ou das negociações difíceis entre parceiros de entendimento para a elaboração de um documento orçamental que satisfaça todos, mas sobretudo que vá ao encontro dos portugueses. O resto é conversa, é retórica parlamentar e política.

A verdade é que o primeiro impacto é positivo e coloca o patamar da abordagem naquilo que é possível fazer, no que é possível negociar e no entendimento que, não obstante as diferenças, é possível alcançar tendo um objetivo superior do bem comum. Naturalmente com um caminho a percorrer.

Curiosamente, no dia da entrega do Orçamento, era divulgado o resultado de uma consulta da Eurosondagem em que o PSD perdia seis pontos para o PS. E novidades? Perfeitamente natural, um “aviso à navegação” social democrata para não afundar o que sobra do barco. Se assim não for, só restará ao PSD construir um barco novo. O CDS foi mais inteligente e já começou a construir o seu para se libertar do ónus que Portas deixou.

Mas regressando ao Orçamento, independentemente das dificuldades que o País atravessa, do crescimento económico não ser tanto quanto se desejaria, dos números poderem vir a estar em dissonância com todas as normas definidas pela Europa, temos uma verdade insofismável: há indicadores que correspondem a algumas necessidades dos portugueses. Devolver a sobretaxa, ainda que gradualmente (depois de cumprida a devolução dos cortes salariais dos funcionários públicos), adotar manuais gratuitos no primeiro ciclo e para alunos que frequentem o ensino público, aumentar o subsídio de refeição para os funcionários públicos, o que não acontecia há muito tempo, taxar património acima dos 600 mil euros, com a receita a reverter a favor do fundo da Segurança Social e aumento de pensões, são medidas que nos parecem positivas, independentemente dos partidos A ou B. São medidas deste governo, que aparecem numa inversão de tendência, que é saudável do ponto de vista dos portugueses. O resto, se dá resultado ou não, são os mesmos portugueses, que na altura certa, têm a voz e o poder de decisão.

É evidente que num cenário político como este, torna-se imprescindível negociar. O PS está nas mãos do PCP e do BE? Se for esse o entendimento de uma coligação ou de um acordo, como é o caso, então todos os partidos com maioria relativa, estão nas mãos das forças com as quais irão acertar acordos. É assim, não há nada a fazer. É por isso que é preciso negociar e é por isso que, um pouco por todo o lado, as maiorias absolutas são cada vez mais raras. Os eleitores querem isto mesmo, negociar para permitir a existência de medidas que possam resultar daquilo que há de positivo nas forças envolvidas e não a supremacia de uma delas, com riscos evidentes de prepotência de uma ou duas figuras. A forma encontrada de governação foi esta, constitucionalmente é possível, por isso é assim e as instituições estão a funcionar caso contrário o Presidente da República certamente já teria tomado medidas. Como de resto, Marcelo já veio alertar que é preciso, a partir de agora, apostar no crescimento. Se isso não acontecer, certamente que o Chefe de Estado irá intervir com os mecanismos que dispõe.

O povo não quer colocar os ovos no mesmo cesto. Qual foi a parte que muitos políticos não perceberam?

O Orçamento é de austeridade? Claro que sim. Há promessas que não foram cumpridas e, de forma indireta, há aumento de impostos? É verdade. As verbas para o novo Hospital na Madeira não foram contempladas? Não foram e não há quem venha explicar direitinho todo o processo, todas as promessas? Desde início? De cá e de lá, da direita à esquerda? Tudo isto é verdade. Mas não foi sempre assim? Em todas as governações? Não é melhor uma governação sem maioria absoluta?

Se fosse para apontar promessas não cumpridas, não havia registo que chegasse. Muita gente ia ficar “mal na fotografia”, mesmo com a quase inexistência de massa crítica, que é ainda o que vale a muito político sobrevivente.

Deixem de atirar areia para os olhos. Como disse Manuela Ferreira Leite, recentemente, no comentário televisivo, é altura do PSD mudar o discurso de que as medidas do passado teriam dado resultado diferente deste. Mudar o discurso e mais qualquer coisa.

Deixem governar esta “geringonça”. Depois, o povo decide se quer outra.